É com muita satisfação que a Raio Laser recebe suas propostas de colaborações, que têm crescido, com pautas interessantes, dentro do nosso conceito. Foi numa dessas que conhecemos o Gustavo Trevisolli, que colaborou com nosso parceiro
Pipoca e Nanquim, e que nos ofereceu um texto muito interessante sobre a cultura de quadrinhos chilena. Ei-lo! E eis as informações sobre nosso mais novo (e jovem) colaborador: Gustavo Trevisolli tem 21 anos e é Analista de Suporte. Ele atualiza um um site onde coloca textos mais curtos e notas sobre opiniões mais pessoais e ilustrações com algumas tiras e charges (quando tem tempo de scanear).
Vai lá.
Pra não deixar de meter o bedelho, vou indicar eu mesmo também uma HQ chilena que passou em branco no texto do Gustavo. Trata-se de Humanillo, uma coletânea do já veterano ilustrador e quadrinista chileno Jorge Quien. Adquiri esse livro numa viagem para a Argentina no começo de 2011 e coincidentemente estava-o lendo agora. Quien é um quadrinista diferente e sensível, de matriz poética, procurando reverter o valor e lugar dos objetos e das coisas, muitas vezes ilustrando poemas de outros autores. Destaco esse quadro aonde ele faz o grande Frank Herbert, autor de Duna, apresentar a si mesmo a um personagem. (CIM)
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por Gustavo Trevisolli
Nas férias decidi com a minha
esposa fazer algo diferente: uma viagem
a algum país da América do sul. Como ela já conhecia a Argentina,
ficamos entre Peru e Chile. Queria conhecer o Chile principalmente por ser a
casa de Neruda, além de ser conhecido como um dos países mais culturais da
América do Sul. Depois de pesquisar bastante, percebi que, além de Condorito, não havia muita coisa sobre os quadrinhos chilenos das quais se teria algum conhecimento ou divulgação no Brasil. Resolvi
dedicar então algum tempo de minha viagem fazendo uma pesquisa informal em
Santiago, sobre a produção e distribuição dos gibis chilenos.
Depois de andar pelos bairros de
Lastarria, Centro, Providência, Bella Vista e adjacências, cheguei à conclusão de que o
mercado americano não oferece muito poder sobre o Chile: os quadrinhos do Condorito ainda são muito distribuídos, sendo
uma espécie de turma da Mônica. A diferença é que seu humor é mais adulto, não sendo difícil encontrar piadas sexistas ou chauvinistas em seus quadros. Geralmente as mulheres são retratadas todas de maneira igual. Os traços
me lembram um pouco os quadrinhos da Disney.
O
condor é um passaro (e isto todos devem saber), símbolo do Chile. Porém, o
Condorito, assim
como toda a cultura em quadrinhos, em geral, envolvendo nossos vizinhos
(Argentina, Uruguai, Chile, etc.) é um pouco desconhecido para nós. Se fôssemos
comparar com algum personagem, ele seria o Zé Carioca dos chilenos. Inclusive, foi criado como resposta do Chile ao desenho da
Disney chamado
Saludos amigos, onde temos o Pato Donald se encontrando com o Zé Carioca e o galo Tríbilin (esse do México). Em 1953, Condorito ganhou sua revista própria, e tive a sorte de encontrar na biblioteca nacional chilena uma exposição sobre os 100 anos de seu criador, o Pepo, com diversas tiras e cartuns, alguns com bom humor
político, às vezes explicito ou não. O interessante é ressaltar o tamanho do
sucesso que a revista faz com os chilenos. Podemos encontrar edições de Condorito para ler na íntegra em
uma pesquisa rápida na internet. O formato chama a atenção por abranger
geralmente todas histórias em uma página. A marca registrada ficou com o pássaro terminando várias tiras com as pernas para o ar.
É meio triste admitir, mas foi
difícil encontrar coisas relacionadas aos quadrinhos no Chile, principalmente
de produção nacional, se formos analisar. Nas bancas em geral encontra-se, além
de
Condorito, algumas edições do
X-Men, e (pasmem!) quadrinhos de
Star Wars (os filmes adaptados em
graphic-novels, e não as séries publicadas pela Mythos). Mas não desisti: queria procurar e pesquisar mais em campo sobre
os quadrinhos chilenos, e frequentei uma pequena feira onde livros e quadrinhos
usados são vendidos. Encontrei mais HQs da Marvel ou DC, e perguntei a alguns
vendedores se havia alguns “cómics” chilenos. Alguns me apresentaram mangás (um
gênero que também está bem difundido no Chile, e é mais comum ver anúncios de
aulas de mangás e encontros do tipo do que de outros quadrinhos). Alguns
chegaram a dizer que não tinha praticamente nada de quadrinhos no Chile. Resolvi continuar procurando em bancas, quando encontrei no dia seguinte a loja Westcoast Motion Picture. Ao encontrá-la tive um verdadeiro choque, pois se trata de provavelmente uma das melhores lojas voltadas aos quadrinhos que já
encontrei. Fiquei um tempo olhando e conversando com a atendente da loja (uma senhora que julguei ser mãe do dono). Ela não parecia entender muito e apenas indicou Condorito quando perguntei dos quadrinhos chilenos, além de
algumas revistas muito antigas. Quando citei Jodorowski, me apontou seus filmes ao invés dos cómics.
Perguntei sobre quem era o dono e ela me pediu para eu voltar mais tarde. Eram
dias complicados, e tentei equilibrar os quadrinhos com os passeios turísticos
em Santiago, Viña del Mar, Valparaiso e uma visita à vinheda de Concha Y Toro, cidades que conheci nos últimos dias. Logo, havia apenas neste mesmo dia em questão a oportunidade para conversar com o dono da loja, já que faltavam poucos dias (que seriam ocupados) para ir embora do Chile.
Quando encontrei o dono, ele
estava de saída e me atendeu muito rápido. Apesar de ser educado, ele disse que
precisava ir embora e perguntou se não poderia voltar outro dia. Fiquei muito
triste, pois não poderia encontrar com ele de novo. Após nossa breve troca de
informações, menti dizendo que voltaria outro dia. Ele me indicou alguns quadrinhos, porém não consegui tirar nenhuma foto de dentro da loja! O lugar era alucinante, acho que a melhor comic shop que já vi. Encontrei muitos quadrinhos de diferentes estilos, além de brinquedos e filmes. Havia diversos itens que transformaria a
loja em um museu, como cartazes antigos. Vocês podem conferir mais sobre a loja
aqui.
Depois resolvi ir até a loja chamada “Feira do livro nacional chilena”, uma
espécie de livraria gigante aonde encontramos quase quaisquer tipos de livros,
muito comum no Chile. Logo, como não consegui comprar nada na loja de
quadrinhos, decidi procurar, entre os conhecimentos que adquiri nesses dias,
algo na livraria para trazer para casa. Não queria álbuns grandes ou luxuosos, e sim coisas que refletem o dia-a-dia do Chile. Dentre uma boa quantidade de graphic novels, de maioria importada, trouxe comigo:
* Zombies en la Moneda,
onde temos zumbis tentando invadir o palácio de la Moneda. Escolhi este livro
porque parecia ser um dos quadrinhos mais vendidos do Chile. Já tinha ouvido
falar e é realmente muito interessante, pois eles juntaram vários autores
diferentes, entre roteiristas e desenhistas, e, dentro do tema em comum,
desenvolveram um roteiro base. Então temos vários estilos, do realista ao
cartoon, envolvendo a história que termina com um gancho no final (tem uma nova edição saindo, se não me engano). Achei muito interessante essa
iniciativa, que originalmente foi publicada de forma independente e separada
por capítulos. Seria bem legal algo envolvendo um plot desses aqui no Brasil, não? Zumbis tentando invadir o Senado! Mas, falando sério, também temos que analisar que o palácio de La Moneda é conhecido como um dos principais pontos turísticos da cidade. Só para se ter uma noção, é lá que foi foi o palco central do golpe militar do Chile em 1973, aonde o então presidente Salvador Allende se suicidou após tropas do General Pinochet invadirem o palácio. Logo, temos na
história uma ligação direta com a ideia do quadrinho.
* Um livro de Marcela Trujillo,
El diario intimo de maliki cuatro ojos.
Como diz o título, , é uma espécie de diario, e eu já conhecia, antes de
viajar, o trabalho de Marcela pelo seu
site. Ela é uma representante forte dos
quadrinhos chilenos, especialmente no meio underground. E ainda por cima por
ser mulher, mãe e divorciada. E é realmente essas e outras informações de sua
vida pessoal que temos na leitura de seu livro. Gosto muito do estilo dela, lembrando bastante Crumb, mas acho que o que realmente me fez gostar de seu trabalho é sem dúvida a maneira natural com a qual consegue expor sua vida, de um jeito transparente, sem medo do que vão pensar. Acho que nunca vi um quadrinho tão sincero quanto o dela. Para quem quer conhecer bem o quadrinho atual produzido no Chile, recomendo fortemente. Outro livro publicado pela autora é
Crônicas de Maliki.
* O terceiro cómic que comprei foi um mais underground e fanfarrão.
Malaimagen
é uma espécie de autor da área de Lastarria (bairro boêmio de Santiago. Como
uma Lapa sem tanta sujeira e com lindos bairros ao invés de apenas uma ou duas
ruas decentes. Acho uma parada obrigatória para tomar uma cerveja ou um
petisco). Trata-se mais de um livrinho com piadas onde cada folha tem um
cartoon contando elas (charge). De humor rápido e de leitura leve, temos diferentes idéias em um estilo bem comum para quem desenha, contorna e faz acabamentos dos desenhos com caneta de escrever em CD. Para quem tiver com uma graninha curta e quiser pegar um quadrinho apenas de lembrança, também dou essa recomendação.
* Menção honrosa: Aqui no Brasil também conhecemos bastante o trabalho de
Alberto Montt por meio de sites onde seus trabalhos são sempre expostos. Se não
me engano, um Jacaré Banguela da vida vive postando. Conhecia bem o trabalho do autor, e no Chile encontramos várias edições de suas tiras que podem ser encontradas on-line neste
sítio.
Bom, resumindo, é isso: o Chile está vivendo um bom momento nos quadrinhos,
onde autores jovens estão se destacando. Algo ainda bem regional mesmo, e
pretendo viajar ao Chile algumas outras vezes ( para conhecer a Isla Negra,
onde fica a única das três lindas casas do Pablo Neruda que não visitei e que,
acreditem, vale mais a pena do que alguns museus, e também para conhecer o deserto do Atacama, que provavelmente é
o lugar mais lindo do mundo).