Batman e a eterna obsessão pelo realismo
Mesmo assim, muitos argumentarão que em paralelo a outros tantos personagens das HQs, o Batman seria um dos mais realistas. Como apontado mais acima, eu já expressei minha opinião que isso não se confirma de fato, que o personagem está longe de qualquer realismo em suas premissas fundamentais, tratando-se sim de um conceito eminentemente infanto-juvenil. O que acho do Batman, e considero que o filme de Nolan fez isso como ninguém, é que ele pode ter um alto grau de verossimilhança se bem estruturado e trabalhado narrativamente com esse propósito e isso não significa ser realista, mas sim ser mais palpável dentro de seu absurdo ficcional, de sua irrealidade inerente.
Em termos conceituais, o termo latino veri similis (de onde advêm a palavra verossimilhança), tratado por retóricos e oradores do porte do político e senador romano do século I a.C, Cícero, significava algo que, em dada situação, poderia ser aproximado ao real, ainda que não fosse a realidade concreta, mas sim um espelho do real, mesmo que a imagem representada não fosse a coisa em si e até pudesse ser distorcida ou invertida. Verossimilhança significava que "se aconteceu tal coisa, em dada situação, poderia acontecer isso ou aquilo a partir do fato e isso após uma análise sobre o que se sabia sobre o assunto em questão, ainda que fosse algo inexistente e irreal".
Assim, o que era verossímil não era necessariamente verdade ou realidade enquanto tal. Como bem afirmou Aristóteles sobre o assunto, "seria verossímil que namorados se amassem e inimigos se odiassem, ainda que não fosse verdadeiro ou real que isso acontecesse em todos os casos ou em algum caso específico, pois existiam namorados que em dadas situações se odiavam e inimigos que se amavam".
Em outras palavras, um sujeito do porte do Batman não seria considerado realista em hipótese alguma na visão de qualquer orador grego ou latino de renome e nem para qualquer um de nós que saiba minimamente a diferença entre realidade e representação, verdade e verossimilhança. O que posso sustentar com tudo isso é que, em algumas obras, principalmente no supracitado filme de Nolan, Batman e seu ambiente ficcional, incluindo muitos de seus coadjuvantes, possuem certa verossimilhança.
Ora, apesar de Batman não ser verdadeiro ou real, apesar de ser irreal qualquer ideia de um sujeito fantasiado de morcego lutando contra o crime, é verossímil na obra de Nolan, que, dada a ideia de que isso seria a tônica de uma obra ficcional, tal personagem irreal faça, em dada situação, coisas palpáveis e verossímeis segundo o que se apresenta na obra. Em outras palavras, o filme do Nolan se utilizou de alguém irreal ao extremo, o Batman, e deu-lhe coisas palpáveis para ele segundo graus elevados de verossimilhança, dando um aspecto apenas pseudo-realista às narrativas, tudo isso auxiliado pelo fato de os espectadores que viram o filme confundirem conceitos como os de verdade, realidade, representação e verossimilhança.