O silêncio à espreita: sobre o universo das HQs mudas

por Ciro Inácio Marcondes*

Em uma das tiras de quase gentil surrealismo publicadas por Rafael Sica em Ordinário (2010), vemos enfileirados horizontalmente quatro requadros muito parecidos entre si: trata-se da imagem de uma calçada. À esquerda, um homem está parado ao lado de uma placa. Ao fundo vemos outro homem, de chapéu, se aproximar, tendo um poste como ponto de fuga. A cada quadro, o homem de chapéu se aproxima mais. Porém, estranhamente, quando chegamos ao terceiro quadro da tira, notamos algo estranho. Na medida em que se aproxima de um primeiro plano do requadro, ao contrário do que mandariam as leis da perspectiva, o homem de chapéu não “cresce”, aos olhos do leitor e do outro personagem. Ele continua pequenininho. Quando finalmente passa pelo homem parado na frente do estabelecimento, o homem de chapéu continua minúsculo, para o espanto do primeiro e do leitor.

A despeito do nonsense da tira, fica evidente, quando analisamos outras tiras de Sica, que o quadrinista está elaborando algo sobre as convenções de representação das propriedades do espaço a partir de relações exclusivas entre as imagens, sem usar falas, letreiros, balões ou textos de quaisquer tipos. Vejamos: em outra tira, um personagem está sempre escondido atrás de elementos dos cenários (espaço); em outra, um personagem olha seu outro eu num reflexo na calçada e, de repente, mergulha nela e os dois somem; em ainda outra, a sombra de um personagem parado na calçada cresce desproporcionalmente até que sai da parede e passa a carregá-lo. Os exemplos são inúmeros, mas a sensação que temos é a de um derretimento completo das funções ordenadoras das coordenadas espaciais de uma narrativa em função de uma libertação das imagens para reformular estes mesmos espaços dentro de leis exclusivas das próprias imagens. Quer dizer: sem palavras para ancorá-las em um discurso simbólico, as imagens em sequência podem verter tempo e espaço numa coisa só, transformando a HQ em um meio de constante e interminável paradoxo.

Isso me faz lembrar que, ao contrário do cinema, em que o alcance do espaço é determinado pela passagem do tempo, nos quadrinhos o tempo é que é sugerido espacialmente, já que, sem uma cronometria dada, eles precisam dispor de inúmeros recursos (requadros, sarjetas, balões, ícones, letreiros, etc.) para impor um ritmo de leitura, em última instância sempre subjetivo. A duração, porém, para uma HQ, depende da qualidade do espaço, da ordem dos balões, dos arranjos dos requadros, de seus tamanhos, da proximidade entre eles. Em uma história em quadrinhos muda, entretanto, muitos destes marcadores temporais, como os balões e os letreiros, desaparecem, dando às imagens a oportunidade de representarem estes elementos segundo suas próprias estranhas contingências, gerando os paradoxos espaciais dos quadrinhos de Sica.

Ora, é muito difícil medir ou quantificar a extensão de interinfluência entre palavra e imagem em mídias mistas como os quadrinhos. Não se pode afirmar categoricamente que um ou outro dominam a percepção, ou que há uma relação de submissão, ou que um código concorre com o outro. Palavras são signos arbitrários, inteiramente conceituais, mas não deixam de ser imagens (especialmente em uma HQ) ou de produzir polissemia. Imagens, por sua vez, anticonceituais, pontuam um momento específico no tempo e no espaço, e revelam tudo e nada ao mesmo tempo sobre seu conteúdo. A imagem, já dizia Platão, é falsificação de uma falsificação, e deve-se desconfiar dela. Por outro lado, o ato de apreciar uma imagem depende de uma redução direta, uma reprodução dos próprios fenômenos da realidade, e neste caso não necessitamos de qualquer contexto para ela.

Para um filósofo como Bergson, todo o mundo é constituído de imagens, e, quando apreciamos a beleza de uma árvore, apreciamos tão-somente a sua imagem. E essa beleza reverbera no belo natural de Kant: agrada sem pedir qualquer coisa em troca.

Extraídas as palavras de uma história em quadrinhos muda sem palavras, qual é a imagem exata que resta? Quais são essas palavras extirpadas? Em uma excelente história publicada por Watson Portela em suas Paralelas nos anos 1980 (republicada pela Devir em 2015) chamada “Voo livre 9”, temos acesso a um mundo de fantasia futurista em que somos introduzidos a vários personagens com balões de pensamento em branco. De repente, temos acesso a um casal cujos mesmo balões são preenchidos por pedaços de frases incompletas, mas que podemos perceber, pela seleção de palavras, que se tratam se pensamentos politicamente subversivos. Eles passam a se expressar por balões de fala, nos mesmos termos, cada vez mais entusiasmadamente. De repente, seus balões ficam pretos, eles são fuzilados e, no último requadro da história, os jovens heróis jazem no chão enquanto o resto da população segue a vida com seus pensamentos em branco.

Esta história é uma clara alegoria à perda da liberdade de expressão e a sociedades fascistas, mas o que nos interessa aqui é precisamente uma redução cada vez maior do campo da palavra, em uma HQ praticamente muda, a partir de seu ícone mais representativo, o balão. Ora, aqui o balão é restringido ao seu potencial imagético. Um balão em branco, em preto ou com falas desconexas perde o primado comunicacional do discurso simbólico para se misturar ao fluxo constante e metamórfico do código das imagens. Ao descer um grau na capacidade comunicativa do balão, transformando-o em pura imagem, Watson Portela está se aproximando daquilo que Moebius realizou, de maneira pioneira, com Arzach entre 1975 e 1976. O famoso quadrinista francês, neste caso, ao publicar quatro histórias (quase) sem falas, desenvolvidas no modo de “escrita automática” (ou seja: inventando os enredos na medida em que desenhava), fez escola ao apresentar pequenos fios narrativos sem contexto, mas com elementos visuais comuns, que libertam o leitor para uma leitura puramente erótica (no sentido da volúpia do olhar), de puro deleite visual, dos quadrinhos. Associado, obviamente, ao surrealismo e ao primado de uma razão onírica, o que Moebius fez foi encaminhar as imagens para se modelarem em si próprias, como em um jogo estético de rei Midas em que cada imagem, ao tocar qualquer coisa, a transforma também em imagem.

Em Arzach, porém, assim como em “Voo livre 9”, há um jogo que inclui o “rebaixamento” da palavra (retirada de seu “pedestal conceitual”) a um patamar icônico, visual. Moebius inicia cada uma das quatro histórias de Arzach com a própria palavra “Arzach” inserida mais ou menos dentro do campo diegético, ou seja, dentro do universo que aquela ficção pretende representar. E mais: a cada versão, ele grafa a palavra diferentemente (“Harzak”, por exemplo). A palavra “Arzach”, como é sabido, não significa nada. Assim como Watson Portela esvazia os balões, Moebius aqui faz questão de esvaziar toda e qualquer palavra, transformando-a em signo vazio, ou melhor, signo puro. Após a quarta (mais delirante e fragmentária) história, finalmente, no último quadro, um balão de fala é inserido e um personagem profere, pela primeira vez, uma palavra, que não poderia ser outra: “Arzach” ressurge, então, no contexto de que a palavra só pode ser proferida após passar pelo caos desordenado da pura narrativa imagética.

Uma história em quadrinhos muda pode ser, portanto, um desdobramento das possibilidades espaciais do meio (Sica), um fluxo alucinatório de imagens livres (Moebius), e até uma reflexão sobre o próprio caráter icônico da palavra (Portela). O modo como imagens desancoradas das palavras atuam em série está, geralmente, dentro das possibilidades daquilo que o teórico Thierry Groensteen chamou de artrologia, ou seja, a maneira com que as imagens nos requadros de uma HQ se solidarizam e se reúnem em um jogo de repetições e afecções entre estas mesmas imagens. Sem a palavra para organizar a engenharia destas imagens que declinam umas nas outras, uma HQ se torna um campo onde figuras de linguagem típicas da poesia se desenrolam em terreno virgem, fazendo destas histórias explorações agudas de formas apenas pontualmente utilizadas em quadrinhos falados. São rimas visuais, metonímias, aliterações. O quadrinho mudo se torna não apenas campo da imagem e dos fenômenos que se desdobram nela, mas também dos caminhos que a linguagem toma quando totalmente desamarrada do simbólico. Cabe ver dois casos e suas mutações:

Metonímia

O sistema (1996), de Peter Kuper, tornou-se um clássico do quadrinho mudo por elaborar com perfeição a fórmula do contato metonímico. Aqui, dezenas de personagens diferentes (um mendigo, uma stripper, um velho detetive, um policial corrupto, um skatista, um empresário, entre muitos outros) têm suas histórias entrecruzadas por pequenos detalhes visuais que vão se encontrando e se confundindo na medida em que percebemos, no final das contas, que a história a ser contada é a de todo um sistema socioeconômico que envolve todos os aspectos da realidade: de uma pichação na parede às notas de dinheiro se esvaindo para todos os lados, até a semelhança física entre um homem e um trem de metrô, todo o mundo visual de O sistema se submete à engenharia invisível que constrói nosso campo de imagens, ao mesmo tempo em que discursa sobre os filigranas das relações de poder entre as pessoas. É como se Kuper pensasse que a interface visual do mundo é equivalente à interface socioeconômica, e o sistema de imagens que ele constrói por meio da metonímia se replica, de maneira fractal, em tudo o que nos cerca.

A metonímia é a figurada generalização (o famoso “parte pelo todo”), e não surpreende que um recurso assim gere histórias de grande amplitude interpretativa, como é o caso da obra de Kuper. De alguma forma, o encadeamento narrativo por meio destes pontos nodais (as metonímias) fortalece o engenho narrativo entre imagens, ao contrário do fluxo psicótico proposto por Moebius em Arzach. Porém, mesmo estando em lados opostos no espectro da artrologia, Arzach e O sistema, por serem HQs mudas, compartilham o gosto pela ambição do altamente generalizante, daquilo que envolve o enorme raio de atuação das imagens, da incapacidade de invadirmos o mundo dos personagens em suas falas e pensamentos. Temos de nos contentar, em ambos os casos, com a drástica ambiguidade das imagens.

Uma abordagem ligeiramente diferente da metonímia no quadrinho mudo ocorre em 73304-23-4153-6-96-8, de Thomas Ott (2008). De verniz expressionista e possivelmente influenciada por Kuper, esta HQ conta a história absurda de um homem que toma contato com um número (o do título) que passa a aparecer, em sua vida, sempre na mesma sequência, de maneira a se tornar previsível. Soturna, a HQ utiliza os números da série como pontos de contato metonímico que vão empurrando, ao mesmo tempo, o leitor e seu protagonista a uma jornada de ambição, sexo e loucura. A ordem irracional dos números acaba se aproveitando da vasta polissemia das imagens para instaurar sua própria lógica obtusa. Diferentemente de O sistema, em que a aleatoriedade parece pertencer a algum algorítimo que programa a realidade (como se fosse um caos organizado), em 73304-23-4153-6-96-8 a aleatoriedade é a única função a que os personagens se submetem, levando a um desfecho quase que naturalmente mergulhado no surrealismo. Mais uma vez, porém, diferente do surrealismo automático de Moebius, Thomas Ott cria seu universo de pesadelo a partir de uma programação perturbada, de uma metonímia disfuncional e desgarrada. Neste caso, o ponto de contato entre elementos imagéticos semelhantes (os números) se torna o único dispositivo gráfico que impulsiona a história para frente, levando a metonímia a um esvaziamento quase místico (diria jungiano), tal qual a robusta apropriação da palavra pelas imagens em Arzach.

Aliteração

Em Ordinário, Rafael Sica não apenas se vale de praticamente todos os recursos citados (sempre de maneira econômica e otimizada), mas faz questão de que cada tira seja um modelo para a própria aplicação do recurso. Sua produção de alguma forma ecoa nas longínquas tiras experimentais Polly and her Pals ou Gasoline Alley, que não raro realizavam séries mudas. A aliteração ou reprise, por exemplo, aparece em uma tira de Sica com quatro requadros em que vemos um mesmo cara solitário sentado, na mesma posição e com idênticas feições, em quatro cenários diferentes: um bar, uma mesa na cozinha, uma festa no escritório, um jardim de infância. A repetição, característica da aliteração, neste caso, não ocorre no cenário (como é o caso da maioria das aliterações em HQ), mas apenas no personagem, que, como um tropo visual desencaixado de contexto, vai sendo inserido em ambientes muito diferentes para demonstrar sua inexorável solidão.

E é o aproveitamento destes tropos visuais que faz uma HQ muda ser tão afeita a este recurso, já que, quando há palavras, elas podem também cumprir a função invisível, de preencher os espaços não-visualizados (extra-campo), da sarjeta. Assim, a HQ muda parece precisar mapear mais o espaço, tateá-lo com mais cuidado, geralmente com a intenção de não provocar rupturas totalmente ilógicas ou violentas. Mesmo assim, algo radical como Arzach não possui esta preocupação. Em sua última história os quadros já surgem como praticamente aleatórios, mas isso se dá devido à exploração do caráter inconclusivo das imagens em si. Quadrinhos mais detalhistas como O sistema, 73304-23-4153-6-96-8 ou Ordinário precisam se valer mais deste recurso para que a produção de sentido seja possível.

A utilização da aliteração pode ser pontual, portanto, no sentido de atomizar o tempo de percepção das ações, como ocorre frequentemente com as HQs mudas de Gustavo Duarte. Na segunda página de (2009), vemos três requadros de seu protagonista, em contracampo, sentado em frente à TV. Os três requadros são praticamente idênticos (deflagrando a aliteração), com pequenas variações nas expressões e movimentos do personagem. Percebemos suas reações à TV e à passagem do tempo, indeterminada, mas bem enquadrada pela aliteração. Se, na tira de Sica, o que muda é o cenário e longos períodos de tempo são sugeridos entre os quadros (e até certa atemporalidade), no caso de o que muda é justamente o personagem (mantendo-se estático o cenário), com sutileza o suficiente para percebermos que a passagem temporal foi mínima. São usos, portanto, inversos de um mesmo recurso, provocando efeitos totalmente opostos.

Uma HQ pode ser baseada praticamente inteira na aliteração. Em 2009 o quadrinista australiano Nathan Jurevicius lançou a versão em quadrinhos do game Scarygirl, e, por trás das páginas psicodélicas ilustradas digitalmente, o que parece ser um exercício estéril de adaptação da funcionalidade do jogo se transforma, na verdade, em um fértil exercício de aliteração.

Scarygirl é praticamente inteiro baseado neste recurso, tendo páginas e páginas repletas de micro-ações detalhadas em minúcias de ínfima temporalidade. Neste caso, mais do que nunca, o uso de uma abordagem espacial meticulosa somado à precisa inserção da sarjeta leva a um controle do tempo que dá conta de intervalos muito pequenos, mas não perde a “beleza natural” das imagens. Engenhosamente narrativa, esta HQ muda é a prova de que a extração da palavra nos quadrinhos pode levar tanto a uma obsessão com a repetição como única solução para o ato de narrar, quanto a uma dissolução deste modelo. A aliteração pode ser usada para ordenar o campo das imagens puras ou para escancarar completamente sua incapacidade de ordenação.

Não à toa, Scarygirl faz, assim como “Voo livre 9”, uso intenso da iconização do balão. Sonhos, diálogos e pensamentos da garotinha do pântano e seus amigos são representados por outras imagens que aparecem dentro dos balões. Neste caso, o recurso não é tão arrojado quanto na HQ de Portela, mas exemplifica bem o metamorfosear das imagens em si próprias. A evasão ao sonho (imagem de um mundo dentro do nosso) não é incomum dentro do mundo das HQs mudas.

Pinóquio (2011), de Winshluss, faz uso tão intenso da iconização dos balões que contextos inteiros, de incrível complexidade, são mostrados dentro de balões gigantes que ocupam lindas splash pages.

Por fim, como conclusão, a história que talvez seja a obra definitiva de Berardi e Milazzo – a investida de Ken Parker na HQ muda –  “Os cervos” (1984), pode servir de guarda-chuva para todas as possibilidades mencionadas. Aqui, sem palavras, vislumbramos uma paisagem gelada e inóspita em que o herói do fumetti, para sobreviver, acerta a perna de um cervo com um tiro. Com a aproximação dos filhotes desta mãe agora desguarnecida, Ken Parker, tomado pelo sentimento da pena, resolve passar semanas no ambiente selvagem com os animais para curar o animal que havia abatido. Berardi e Milazzo não apenas constroem um ambiente mudo em que a paisagem gelada, em guache, se torna tônica dominante, como transformam o recurso da aliteração em figura transcendental que reitera a eternidade da luta pela sobrevivência. As paisagens brancas são repetidas, os atos se tornam ritualísticos, o espaço na HQ parece uma eterna rima de si mesmo. A imagem acaba, então, se transformando em valise para o caçador primordial, do paleolítico, como demonstram as pinturas em Lascaux, Chauvet e Altamira, as primeiras histórias em quadrinhos mudas.

A metonímia também aparece amalgamada neste processo, quando cada animal, cada ação e cada aspecto do cenário se torna ponto nodal para o prosseguimento desta saga íntima de infinita precedência. Como Moebius, mas austero e sem a desviante lisérgica, os autores italianos projetam nesta história um dispositivo fractal que nos leva ao passado e ao futuro, num eterno retorno da imagem primordial. Nem mais aliteração ou metonímia, a imagem da HQ muda aqui se transforma, enfim, na figura de linguagem mestra, mãe de toda imagem: a metáfora.        

*Artigo originalmente publicado na Revista Antílope Nº 2

BONS QUADRINHOS QUE LEMOS EM 2015 - PARTE 1

2015 não foi exatamente o ano mais terno, mas nem por isso vamos deixar de celebrar as experiências quadrinísticas que vivemos em meio a mortes de celebridades, caos na política do nosso país, filmes aguardadíssimos e grandes eventos sobre gibis. Nos próximos dias vamos publicar as listas das melhores leituras que fizemos neste ano fora da casinha.

Cada membro do staff Raio Laser tem seus próprios critérios, e, assim como temos feito desde o princípio aqui, a escrita é livre, a abordagem é selvagem, cada um faz como quer. Eu, por exemplo, que começo, não estou fazendo uma lista dos melhores quadrinhos lançados em 2015. Peço desculpas. Não pude acompanhar uma avalanche de lançamentos de todos os tipos simplesmente porque estava concomitantemente escrevendo uma tese de doutorado (ai minha cabeça). Portanto, resolvi escrever sobre os melhores quadrinhos que li de qualquer época. Isso também é legal. A gente pode revisitar os clássicos, escrever sobre aquele volume que tinha faltado, acertar as contas com sua própria coleção. Algumas coisas li quando ainda estava na França, e outras já no Brasil. Deu, por exemplo, para falar sobre o grande Shigeru Mizuki, falecido no fim de 2015. Não é uma beleza? Esta lista não está em ordem de qualidade. Não está, aliás, em qualquer ordem significativa. Apenas pegue os textos que mais te interessarem e leia na ordem que quiser. Nos próximos dias, as muito diferentes listas dos outros caras da RL. Acompanhem! (CIM)

Parte 2

Parte 3

por Ciro I. Marcondes

1 - KITARO: LE REPOUSSANT (Kitaro, o repulsivo) – Shigeru Mizuki (Collection Paul, 2007 [1959]): o mangaka Shigeru Mizuki, falecido em 2015 com 93 anos, era ao mesmo tempo um mestre dos gêneros gekigá (quadrinho japonês mais sombrio, com auge nos anos 50 e 60) e do yokai (histórias de monstros folclóricos e fantasmas). Eu havia comprado o primeiro volume de uma edição francesa de sua obra mais famosa, GeGeGe no Kitaro, quando estive fora, e, assim que soube da morte do autor, resolvi ler para ver de qual era. Mesmo que as primeiras histórias sejam ainda um tanto primitivas (foram publicadas em 1959) e careçam de consistência, elas vão melhorando incrivelmente à medida que a leitura avança. Kitaro é uma espécie de morto-vivo, uma criança mágica das trevas, que rasgou o útero de sua mãe morta para ser o último de sua espécie. Ele é acompanhado apenas pelo sinistro olho ambulante (literalmente) de seu pai, o mais bizarro dos sidekicks. Mizuki aproveita esta ideia de errância para fazer o garoto-monstro cruzar com todo tipo de ser folclórico e criatura medieval japonesa (a estranheza aqui é grande: um deles é uma gosma; outro, uma espécie de nuvem com olho macabro; e outro é pura e simplesmente um olho com halo de trevas).

Kitaro é incrivelmente imaginativo, e as situações em que o autor coloca o menino são absurdas, de um fascinante encantamento com o mundo do oculto e do sobrenatural, ressaltando a presença feérica destes yokai em contraposição à estupidez racionalizante do mundo moderno. Mizuki lutou na segunda guerra, contraiu malária, perdeu um braço e esteve muito próximo de ser executado. Sua visão assombrada do mundo, mesmo que lírica, não deixa de ser um reencantamento em relação à indústria de matar da guerra moderna, e sobrevive. É um bom momento para todos lermos Kitaro.

2 - RADIO LUCIEN / RICKY BANLIEUE / LULU SMACK (Lulu S’maque) – Frank Margerin (Les Humanoïdes Associés / Abril Jovem, 1982, 1987, 1987 [1992 no Brasil]): trazer vida à juventude do revival rockabilly na Paris dos anos 80: esse era o propósito de Frank Margerin ao criar o personagem Lucien e sua turma de losers quando foi (prancheta debaixo do braço) trabalhar para a Métal Hurlant no início daquela década. Hoje Margerin é uma instituição francesa. Seus quadrinhos groz-nez, de enorme facilidade narrativa e imenso carisma, são tudo que podemos esperar de algo despretensioso, leve, mas tomado por vida de verdade em todos os lados. Os problemas da sua galera são coisas reconhecíveis: pegar uma moto emprestada, enfrentar um Natal chato em família, tentar montar uma banda de rock ou uma rádio pirata. Margerin é despojado, sarcástico, e uma bem calibrada lente de leitura de sua época. Dentre as três edições que li em 2015, apenas uma (Lulu Smack), saiu no Brasil, e esta é justamente uma HQ de passagem para o autor: é sua primeira história longa, que relata o nascimento de um romance, e foi até mesmo publicada como graphic novel pela Abril em 92. Preferi as histórias curtas das outras duas, mais rasteiras e com faro para ironia mais apurado. Todo Margerin, porém, é relevante, e isso faz dele um autor que precisa urgentemente de mais traduções por aqui.

3 - DOIS IRMÃOS - Fábio Moon e Gabriel Bá (Cia das Letras, 2015): nossa resenha completa desta HQ aqui.

4 - BOULES DE CUIR (Bolas de couro) – Phicil e Drac

 (Tournon-Carabas, 2012): esta foi achada no sebo, naqueles deliciosos exercícios de simplesmente se perder numa multidão de quadrinhos desconhecidos e, por puro “feeling”, ir sacando aquilo que pareça interessante e difícil de encontrar em qualquer outro lugar. Não conhecia o quadrinista francês Phicil (Philippe Gillot), que, com as cores de Drac, realizou este primoroso álbum em “quadrinhos antropomórficos de época”. Meio Crumb, meio Disney, e, lógico, bastante BD, Boules de cuir tem humor sagaz na medida certa, incrível detalhismo fotográfico em seu retrato de uma Paris do entre-guerras (sem perder a pegada cartum), e excelente punch narrativo. É uma história deliciosa: um pato verde e mala, Bec (versão francesa do Plucky dos Tiny Toons), e um ingênuo e delicado ursinho chamado Tintin se envolvem no pernicioso mundo do boxe de feira, cheio de trambiqueiros, para extraírem para si algumas lições. A ambientação do roteiro é estudada e fascinante, os diálogos têm forte personalidade e os desenhos são muito carismáticos. Verdadeira aula de quadrinhos narrativos. No aguardo, agora, do último lançamento de Phicil: “Zen, meditações de um pato egoísta”, novamente com Bec como protagonista.

5 - MULHERES – Yoshihiro Tatsumi (Zarabatana Books, 2007 [1961]): uma prostituta que recusa o ex que a abandonou pela família. Uma garota que ganha benefícios de acordo com o amante e dá seu salário a um jovem bem mais inocente. A mulher que é maltratada pelo marido, que a rejeita publicamente. Estes são alguns dos motes desta coletânea de quadrinhos dos anos 60 do grande Tatsumi, mestre e inventor do gekigá que, em uma narrativa quase pulp, situada entre o cotidiano e o íntimo grotesco, com influência do cinema noir e dos romances eróticos baratos, consegue deflagrar a vida da mulher japonesa de sua época. São agruras, contradições, crimes passionais. Certo, não é o melhor de Tatsumi, mas, sendo o único material dele publicado no Brasil, é o que temos para hoje, e uma boa amostra. Como Mizoguchi no cinema (ver Akasen chitai, 1956), Tatsumi radiografa certo ethos feminino do Japão do pós-guerra de maneira crua, cirúrgica, sem proselitismo. Para a época, é revolucionário em vários aspectos, e um quadrinho essencial dentre os publicados pela Zarabatana.

6 - PINÓQUIO (Pinocchio)

– Winshluss (Les Requins Marteaux / Globo, 2008 [2012 no Brasil): com atraso, finalmente li a celebrada adaptação de Winshluss (Vicent Paronnaud) para o Pinóquio de Collodi (e da Disney!). Eu poderia começar mencionando a estupefante qualidade gráfica, mistura de livro infantil da primeira metade do século XX com comic strips da era de outro (especialmente nas cores); poderia falar da desconstrução perturbadora da história original (um conto moralista sobre a perda da inocência), que faz varredura da podridão imoral das instituições modernas; poderia falar da genial transformação e adaptação de cada evento das histórias que o inspiraram. Mas eu gostaria mesmo é de ressaltar a coragem de Winshluss em investir numa narrativa dinâmica e quase inteiramente silenciosa. Balões viram universos de imagens a serem descobertos. Abundam expressões que trazem teatro e cinema aos quadrinhos. Páginas com geniais soluções visuais e narrativas se intercalam com os monólogos politicamente incorretos do escritor beatnik em que se transforma o Grilo Falante (Barata Joe). Winshluss comprova, ao comparar a ladainha da Barata Joe ao seu vasto acervo gráfico, que a HQ muda pode ter exuberante floresta de informações e enorme complexidade a ser decodificada. Demorou, mas valeu a espera.

7 - LES PASSAGERS DU VENT – LA FILLE SOUS LA DUNETTE (Os passageiros do vento – A garota sob o tombadilho) – François Bourgeon (Delcourt, 1979): outra instituição da BD franco-belga, François Bourgeon é um dos únicos autores de HQ de pirataria capaz de ser comparado a Hugo Pratt.

La fille sous la dunette, primeiro volume de sua longa série dos “passageiros do vento” – vencedora em Angoulême (1980) – , uma das mais populares HQs de aventura francesas, é um arroubo de elegância e cuidado com a reconstituição histórica. Passando-se em alto mar, entre a França e a Inglaterra no século XVIII, este volume é não apenas meticuloso a ponto de Bourgeon ter construído maquetes para os cenários, desenhado modelos para os navios e ter se baseado em fontes fielmente documentais. Ele é também uma aventura de tirar o fôlego envolvendo trocas de identidade, vinganças cabulosas, incríveis batalhas navais e um socializante discurso a respeito do tráfico de escravos. Além disso, o traço realista, fino, de inigualável verossimilhança, do autor, traz todo um aspecto vívido e colorido, além de lindo erotismo, a esta HQ popular, recorde de venda na França. Popular não deve (e nem pode) ser coisa ruim, e esta obra é prova concreta disso.

8 - OS MAIORES CLÁSSICOS DO DEMOLIDOR (Daredevil,the man without fear, Nº 168-192) – Frank Miller e Klaus Janson (Marvel / Panini, 1981-83 [2002]): entusiasmado com a série da Netflix, resolvi mexer nas minhas memórias de adolescente e reler a fase clássica de Frank Miller em Demolidor

, algo que sempre ficaria reminiscente em minha lembrança como “a melhor coisa que Miller já fez”. Peguei logo as reedições da Panini, que recompilam nada menos que 24 volumes desta brilhante fase, a partir do momento em que Miller assume os roteiros. Uau. Você lê esse material e parece que um trem trombou com a sua cara. Roteiros concisos, fortes, equilibrados e imediatos se unem a uma arte milleriana que, se ainda não atingiu o auge, se aproxima a um perfeito ponto de equilíbrio entre Cavaleiro das trevas e Sin City, por assim dizer. Todo Miller já está ali: a versatilidade no uso de grandes quadros horizontais, o apagamentos das arestas (influência de Eisner), liberando a sarjeta, o approach urbano (tornando a série eminentemente moderna, quase fundando a era de bronze), recursos de zoom, câmera lenta, sinestesia, quase todo tipo de letreiro em primeira pessoa (todos narram: Ulrich, o Mercenário, Foggy ), enfim, um primor absoluto. Fora isso, o carisma do herói contado por um autor jovem, vigoroso, cheio de ideias incríveis. Os duelos com o Mercenário. A ascensão do Rei do Crime. A morte de Elektra. Etc. Etc. Tempo bom, que não volta nunca mais.

9 - ORDINÁRIO – Rafael Sica (Cia das Letras, 2010): apesar do título desta HQ, Rafael Sica não é um quadrinista ordinário. As tiras mudas (sem falas) reunidas neste volume da Cia das Letras estão entre o que de mais interessante surgiu em quadrinhos (hmm) “experimentais” no cenário recente brasileiro. Com o espaço francamente subvertido pelos paradoxos intrínsecos à própria arte dos quadrinhos, ele vai criando fábulas, sonhos, anedotas, alegorias. Espécie de Liniers mais sombrio, Sica nos leva a situações e mundos onde as sombras ganham vida, onde um narciso urbano se afoga numa poça de água suja na rua, onde um homem se esconde atrás de tudo, inclusive dos espaços próprios ao quadrinho em si. São tiras existencialistas (o “ordinário” estando neste absurdo da vida que todos compartilhamos), nada banais, com apelo surrealista e cheias de dolorosos enigmas. Quadrinhos assombrados, vindos de um artista assombroso.  

10 - UNE ENQUÊTE DE L’INSPECTEUR CANARDO – LE CHIEN DEBOUT (Um caso do inspetor CanardoO cão de pé) – Benoît Sokal (Casterman, 1981): e eis que estou elegendo aqui mais quadrinhos antropomórficos com patos marrentos, desta vez sob chave “noir”, em uma história cheia de elementos diversos e pitorescos. As investigações do inspetor Canardo, um pato alcoólatra, fumante de haxixe e depressivo, são também um patrimônio da BD e O cão de pé é sua primeira aventura publicada em álbum. Antes disso, os leitores do mercado franco-belga já haviam tido contato com o pato em histórias curtas publicadas na clássica revista (A suivre), responsável por lançar toneladas de autores de BD que depois se consagrariam. Esta primeira história é um prato cheio: Canardo é mero coadjuvante na história de amor fatal vivida pelo cachorro (também) alcoólatra Fernand, que retorna à sua cidade para tentar reaver uma garota que ele descobre assassinada. Lá ele cruza o caminho de Canardo e o de um mundo de escroques: chefões do crime, cientistas loucos, femmes fatales. Os diálogos são afiados, a história é potente e magistralmente bem conduzida, e a arte do belga Sokal encontra aqui um de seus auges. A atmosfera sombria é retratada em tom cartunesco, mas isso não deixa a história menos apavorante. Escura e cínica, ela abusa de recursos do cinema noir, como o close-up nos olhos, as imagens na penumbra e as cenas de violência. Vetor da representação de uma sociedade acabada e exímio participante no jogo do reaproveitamento dos gêneros, Sokal tem em O cão de pé um debut de cinco estrelas. Hoje já são mais de 20 álbuns lançados com o pato como protagonista, e Sokal não para: além de quadrinista, ele desenvolve jogos de videogame para a Microïds. Nada mal para um cara que, no Brasil, permanece desconhecido.

11 - BARATÃO 66 - Bruno Azevêdo e Luciano Irrthum (Beleléu, 2013): nossa resenha completa desta HQ aqui.

12 - THE GIRL FROM H.O.P.P.E.RS. – A LOVE AND ROCKETS BOOK (A garota de HoppersUm livro de Love and Rockets) – Jaime Hernandez (Titan Books / Fantagraphics, 2007 [1985-1989]): as histórias reunidas neste segundo volume da inglesa Titan Books já não têm aquele tom das primeiras que apareceram em Love and Rockets: sem naves espaciais, sem dinossauros, sem alienígenas, super-heróis e sem o insuportável Rand Race. Ou seja: é muito mais “love” do que “rockets”. Eu já tinha lido algum deste material aqui e ali, mas nunca a série completa assim, de um só fôlego. Enquanto as primeiras histórias deste monumento da HQ indie eram mais abiloladas, cheias de toques surrealistas e non-sense misturado ao humor, à coolness e àquele erotismo esperto, esta fase que se inaugura a partir de 1986 (digamos, fase “Maggie gordinha”) esfria estas tensões malucas e coloca a histórias de Maggie, Hopey, Izzy e tantas outras garotas incríveis num patamar mais “pé no chão”. O que não significa menos emoção. É justamente aqui que Jaime Hernandez vai progressivamente construindo sua saga da fictícia cidade de Hoppers (na Califórnia), habitada principalmente por famílias de origem mexicana, a partir de uma teia afetiva que não dispensa as marcas que tornaram a série (conhecida como Locas) famosa: as desventuras afetivas das personagens, os conflitos entre gangues, situações do cotidiano, os improváveis entrecruzamentos entre a luta livre feminina e o resto dos plots, etc.

Mas nada disso resume Locas. O que verdadeiramente conta ao lermos uma série assim é o mergulho no dia-a-dia microdetalhado destas personagens tão vivas que parecem transportadas diretamente de uma realidade maravilhosamente atraente. Afinal: bandas de rock, garotas descoladas, wrestling feminino, bebedeiras, romances tórridos. Quem não gostaria de viver dentro desta HQ? O que encanta, no final das contas, é aquele fator “Hopey fica com Maggie, cuja irmã fica com Speedy, que por sua vez é apaixonado por Maggie, cuja tia Rena é uma estrela da luta livre e tem vários romances no passado”, etc. Hernandez vai e volta nas histórias sem deixar a peteca cair, em longos flashbacks totalmente verossímeis, alterando a idade, o visual e o contexto dos personagens de maneira perfeitamente coerente e envolvente. Se cada fase de Locas tem seus méritos, sendo a primeira mais avant-garde e inauguradora de todo um filão dos quadrinhos, esta segunda certamente prima pela maturidade com que Jaime investiga a psicologia de suas personagens. De certa forma, isso aproxima Locas de Palomar (de Gilbert), que já nasceu, por assim dizer, completo e maduro. Um quadrinho indispensável (e todos aqueles clichês de crítica, blá blá blá).  

Pinóquio das trevas

por Pedro Brandt

“A história a seguir é uma adaptação bastante livre do romance de Carlo Collodi”, avisa o roteirista e desenhista Winshluss antes da primeira pagina ilustrada de sua versão em quadrinhos para Pinóquio. Nas mãos deste artista francês (nascido Vincent Paronnaud, em 1970), a marionete que ganha vida não é de madeira e seu nariz não cresce se ele mentir. O boneco também não tem fada madrinha, um pai carinhoso preocupado com ele ou um grilo falante fazendo papel de consciência.

Se tanto a obra de Collodi quanto a animação feita a partir dela pelos estúdios Walt Disney pregavam lições visando o bom comportamento dos petizes, Winshluss apresenta em 183 páginas uma visão sombria do mundo que nada tem de conto de fadas. Uma publicação, definitivamente, não recomendado para crianças — mas indicada para quem quiser conhecer uma das mais impressionantes HQs francesas em anos recentes, vencedora do prêmio máximo no festival de Angoulême em 2009. À qualidade do conteúdo, soma-se o ótimo acabamento editorial, com capa dura, papel de alta gramatura, impressão impecável e uma adaptação muito bem-feita da tipografia original.



Com uma trajetória ainda curta nas histórias em quadrinhos, Winshluss é mais conhecido pela premiada versão em longa metragem de animação da HQ Persépolis (cuja autora, Marjane Satrapi, assina com ele a direção do filme). Essa relação com a sétima arte ajuda a entender a habilidade do francês como narrador visual. Boa parte de Pinóquio é contada com imagens, sem balões de fala — é com olhares, movimentos e expressões, acompanhados de diversos recursos gráficos, que ele comunica, com excepcional eficácia, ações, ideias e intenções. Os diálogos ficam reservados para as sequências (algumas, hilárias) estreladas por Jiminy Barata, o Grilo Falante da vez. O inseto, um escritor boêmio e em crise que mora na cabeça de Pinóquio, mais parece a cigarra preguiçosa da fábula de Jean de La Fontaine.

Autômato

Winshluss pontua a história com tramas paralelas, que vão se amarrando com o passar das páginas. O leitor é apresentado a intrigas, assassinatos, tráfico de órgãos e violência doméstica. O Pinóquio de Winshluss foi criado por um Gepeto que de bonzinho tem apenas a aparência. Feito de peças robôticas, o menino pode realizar de tarefas domésticas a ataques militares, mas é um autômato (aparentemente) sem vontade própria ou sentimento.

Solto no mundo, o protagonista é manipulado por todos que cruzam seu caminho. E são esses personagens — em geral, perversos, gananciosos ou perturbados — que vão guiando a história, caso da dupla de mendigos (um trapaceiro, outro cego e fanático religioso), do menino de rua que vira amigo de Pinóquio, do policial depressivo e alcoólatra, dos sete anões pervertidos, do monarca vaidoso e do industrial que explora trabalho infantil. Se tem uma lição que Winshluss dá com seu Pinóquio é que, no meio de tanta escuridão, só se chega à redenção com sentimentos puros.

Pinóquio
De Winshluss. 192 páginas. Editora Globo. Preço R$ 75.