09 - TUNGSTÊNIO – Marcello Quintanilha (Veneta, 2014): Como fugir, na análise da obra de Quintanilha, a clichês como “radiografia da cultura brasileira”, ou “desperta o universal por meio do local”? Sim, estou atrasado na leitura deste romance gráfico vitorioso praticamente em tudo que aborda, em cada elemento trabalhado, em cada nuance pensada, seja ela visual ou temática. Um breve, porém significativo, contato com o autor no II Encontro Entre TELAAs, em Brasília, elucidou um pouco para mim a capacidade de Quintanilha em agregar imaginários dos mais díspares e disparatados, de Barcelona e da independência da Catalunha, a correntes e pulseiras, sapatos alinhados, de uma Salvador disforme e trôpega, de um francês bem falado, até chegar a um quadrinho com a voracidade de um animal apedrejado na estrada.
Creio que, para lá de uma leitura microscópica de certas idiossincrasias de um brasileiro do dia-a-dia, há neste autor o imprevisível em seu próprio trato pessoal, algo que anseia insaciavelmente pela originalidade, que não se contenta com menos que isso.
Tungstênio é realmente mordaz, na absoluta neutralidade de olhar em relação à moral de seus personagens: toscos, freaks e largados à deriva numa sociedade inseminada pela malandragem, por uma ética turva e porosa, por uma difícil separação entre uma noção pública e outra privada da vida. Outro clichê seria dizer que esta voracidade da narrativa - que entrecruza 3 ou 4 personagens num momentum que envolve crimes, passionalidade, ação civil e até certo romance – seria cinematográfica. Ora, que filme consegue alcançar tamanha vertigem? Tarantino, Hitchcock, Altman? É um trabalho para poucas pessoas, este mergulho sem remorso no abismo da narrativa. Mais que isso, para um brasileiro, Tungstênio parece aquele olhar desgostoso num espelho escroto em que vemos nossas piores deformidades físicas (cicatrizes, marcas de nascença). Mesmo assim, independente da classe social do leitor, há um certo conforto em parecer em casa, ainda que numa casa rota e cheirando a merda. Em relação ao fato de que essa obra tenha acumulado prêmios internacionais, surpreende apenas que os gringos tenham compreendido a natureza deste fedor. Ou que uma obra de gênio sobreviva independente a isso. E é aí que entra arte de Quintanilha.