Se, num texto shakespeariano como A comédia dos erros, a questão dos gêmeos se centra na aparência que anula as diferenças (provocando a confusão e o riso), em Dois irmãos, tipo de tragédia mais shakesperiana que o próprio Shakespeare, são as diferenças que se aviltam, revelando um abismo de oposições por trás da máscara familiar, do corpo idêntico. Conto do duplo terrível, onde um é a visão infernal do outro, Dois irmãos aposta também numa origem dupla para a rivalidade e a tragédia: em uma (tragédia shakespeariana), é a origem familiar, o detalhe da criação, a minudência do afago da mãe, ou um amor de infância, que produz o conflito bestial. E em outra (tragédia grega), é o destino, o cosmos: os gêmeos nasceram assim.
Diferentes, ao que parece, são os gêmeos Fábio e Moon, parceria de irmandade para além do sangue, sem que cada um perca sua natural individualidade. Para realizar uma empreitada tão difícil, tiveram que marcar e recriar cada expressão fácil dos inúmeros personagens da história, com seus trejeitos, vícios de fala, suas belezas particulares. Assim, momentos muito elaborados no romance (um irmão que é acorrentado, um poeta que é morto pela ditadura, uma mulher descrita como de excepcional beleza) são traduzidos num vislumbre, em um grande requadro, em um lampejo de quadrinhos que se sobressai sobre a literatura. Desta forma, por diferentes que possam ser a trajetória destes quatro gêmeos, é nestes momentos que eles se tornam também quatro irmãos.