Sim, ficamos um mês de férias, sem avisar. Deem um desconto. O povo aqui tem vida. Mas tem mais coisa pra mostrar em Raio Laser. Preguiçosamente, depois dos nossos orgulhosos
dois dias de Omelete, retornamos. E quem puxa o bonde é o colaborador Lima Neto, dono da Kingdom Comics, figura onipotente das HQs em Brasília, etc, etc ("bocejo") que traz texto reflexivo, com enorme potencial de polêmicas, sobre a famigerada "Before Watchmen" (eu, na minha humilde desatenção, digo que parece maneiro). Gostaria de salientar que tenho orgulho de ter Lima como colega no PPG-COM da UnB. Valeu Limão! (
CIM)
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por Lima Neto
“Os
quadrinhos são os filhos bastardos da imprensa com o mercado” disse Art Spiegelman
certa vez (
Art Spiegelman, caso você tenha entrado neste site por engano à
procura de promoções em tratamento estético a laser, é um dos principais
quadrinistas a chamar a atenção do grande público para a arte das HQ´s, e seu
potencial é para abordar temas mais sérios e espinhosos como campos de
concentração e antissemitismo, caso de sua obra-prima
Maus). E como mercado e HQ´s mainstream são
meus assuntospreferidos para tratar aqui, evoco a fala de Spiegelman e acrescento que estes
filhos, em sua encarnação mais mercadológica –
os comics norte-americanos – além
da sua infeliz condição de bastardos, estão passando hoje por um momento de
exploração intensiva e abusiva por parte dos grandes conglomerados do
entretenimento, acrescentando a uma relação incestuosa (como coloca Alan Moore)
um nível só visto antes na
aurora da indústria dos comics.
E,
já que falamos aqui do escritor Alan Moore, recentemente a DC Comics anunciou
uma série de especiais entitulados
Before
Watchmen, onde um eclético grupo de
escritores e artistas exploram o passado do universo criado pelo polêmico mago
inglês e pelo artista Dave Gibbons. Preciosismos à parte, a lista é de
impressionar: Darwin Cooke, Amanda Corner, Adam Hughes, Jae Lee, Joe e Adam
Kubert, Brian Azarello, além do controverso escritor
J. Michael Straczinsky. Há
ainda um nome curioso que está há bastante tempo sem produzir e que tem sua
carreira entrelaçada à de Moore por motivos não menos curiosos: Lein Wein. Wein é um notório antipatizante de Moore e
criador do personagem Monstro do Pântano, que foi a porta de entrada do mago
nos comics. Lein era editor da DC quando quis alterar o final da minissérie por
considerar ser uma idéia não muito original. Tendo razão ou não, a tensão no
final da série marcou a relação de Moore com a DC e os trabalhos futuros.
Ironicamente, agora Wein vai ter a chance de mostrar sua visão da série em
Before Watchmen.
Nem
preciso dizer que
este projeto incendiou os fóruns e a imprensa especializada,
e que isso irritou bastante Alan Moore, que já havia se posicionado contra
qualquer utilização da história em projetos caça-níqueis posteriores. E que,
enquanto o editor Paul Levitz capitaneava a editora, este acordo de cavalheiros
se manteve inalterado até a Time Warner decidir que deveria assumir as rédeas
administrativas daquela pequena editora que possuíam e que mal rendia lucros
com suas vendas (lógico, falo isso dentro da ótica agigantada de um monstro
corporativo do porte da Warner), mas que tinha propriedades criativas que lhe
rendiam bilhões de dólares nas portas dos cinemas e nas lojas de brinquedos.
Há
aproximadamente um ano, o quadrinista Darwin Cooke, a mente e mãos por trás de obras
como o libelo da era de prata
DC Nova
Fronteira e suas muito bem recebidas Graphic Novels
Richard Stark´s Parker: The Hunter e
Parker: The Outfit – que adaptam os livros da novela policial de
Donald Westlake – , disse ter sido abordado pela nova direção da editora de
Super-Homem para trabalhar em um projeto com os
personagens de
Watchmen. Cooke
afirmou nutrir um respeito imenso pela obra e que considerava ofensiva uma
tentativa de retornar a este universo sem que seus criadores originais
estivessem envolvidos ou que houvesse ao menos uma autorização por parte de
Moore. No entanto, ao anunciarem
Before
Watchmen para o público, seu nome figurava como uma das maiores estrelas
envolvidas no projeto, encabeçando títulos que, imaginados pela sua visão
particular, exalam o perfume apetitoso que suas obras liberam :
Minutemen – o equivalente à Sociedade da
Justiça do universo de Dr. Manhattan e sua trupe de heróis disfuncionais; e o
título
Silk Spectre – narrando as
aventuras da heroína mascarada da era de ouro e que será ilustrada pela artista
Amanda Corner.
Além destes títulos ainda temos Brian Azarello em colaboração
com seu parceiro de trabalho Lee Bermejo em uma série de Rorchach e, tendo J.
G. Jones com colaborador, uma série do Comediante. O já citado Lein Wein fará dois títulos, uma
série de Ozimandias com a soturna arte de Jae Lee; e uma revista misteriosa
chamada Crimson Corsair desenhada por
John Higgins. J. Michael Strazinsky estará por trás dos roteiros de uma série
do Doutor Manhattan, ilustrado com a bela arte de Adam Hughes e também da série
de Nite Owl, que conta com o lápis de Andy Kubert e o nanquim de seu pai, o
mestre Joe Kubert (que cairia melhor, talvez, no título do Comediante).
Obviamente,
junto a esse projeto já estão programados estátuas e figuras de ação produzidas
pela DC Direct, ramo da DC comics que cuida dos produtos colecionáveis. Aliás,
este mês também a DC Direct mudou de nome, e agora atende por DC Collectibles. A troca do nome atende às mudanças que a nova
direção impôs, afinal, colecionismo doentio é uma das modas propagadas pela principal
vitrine da DC: o seriado
Big Bang Theory. Mudar o nome é uma ótima estratégia
para guiar o público da série para o setor da empresa que transforma o hobby em
moda e estilo de vida.
Retornando
aos gibis, pensar no produto que estas mentes podem conceber é algo que
realmente dá água na boca. E não me sinto nem um pouco culpado em reconhecer
isto. Pelo menos não tanto quanto me sentiria em ler um fanfic de boa qualidade
que envolvesse os personagens de Watchmen. Alias, a palavra que mais se
encaixaria para descrever este projeto seria exatamente esta:
Fanfic. Lógico
que os fãs envolvidos na produção desta ficção são profissionais de grosso
calibre, fato que não desmerece qualquer mérito estético-narrativo que essas
obras possam vir a ter. Mas o que me impede de nomear Before Watchmen como
Fanfic é um único e importantíssimo fator: Não se paga, ou se lucra, por
fanfics. O objetivo de um Fanfic é sempre o de extravasar as histórias que
ainda continuam sendo escritas nas cabeças dos fãs anos depois de eles terem
lido determinadas obras. O que empesteia todo esse empreendimento, manchando
boas índoles profissionais e desrespeitando criaturas e criadores é a
insistência dos executivos da Warner em disfarçar exploração descarada de bens
intelectuais que se perderam em acordos jurídicos assinados em uma época que
era impossível prever o que tais obras se tornariam (
Batalha DC XShuster/Siegel, alguém? Alguém?) com um discurso de “homenagens” a importância
dessas obras ou criadores. Ano passado, outra “homenagem” de mau gosto
enfureceu a família do falecido Dwayne McDuffie. A editora anunciou uma edição
especial de seu personagem
Static Shock, conhecido no Brasil como “
Super Choque” em
que por U$ 5,95 você podia relembrar a obra de McDuffie sem que nenhum centavo
das vendas desta revista fossem repassados a família. Os parentes do autor,
lógico, obrigaram a editora a cancelar a edição.
Na
contramão disso tudo, autores independentes têm encontrado na net um terreno
fértil para publicarem seu trabalho. Tão fértil, que é preciso muitas horas
livres para garimpar as perolas potenciais deste novo meio. Meio este que
também é responsável pelo grosso do prejuízo que os conglomerados midiáticos
monstruosos vêm sofrendo com a distribuição gratuita de filmes e scans de
gibis. Se isso é bom ou ruim é outra complexa discussão, mas que, graças ao
escritor
Mark Waid, seu novo blog de opinião e seu novo cargo como coordenador
do selo Marvel Infinity de quadrinhos desenvolvidos direto para tablets e iphones,
tentaremos pincelar no nosso próximo texto. Concluo imaginando, em um futuro
bem próximo, um Alan Moore bonachão liberando na net as páginas de Before
Watchmen para todos que quiserem matar a curiosidade de ler estas homenagens à
sua obra. E cobrando o preço justo que uma obra não autorizada deve ter.