Hubert: entre a arte e o silêncio + entrevista com o autor Ben Gijsemans
/por Gustavo Trevisolli
Quem já foi a algum museu com milhares de obras de arte sabe que não importa o quanto você adora arte: um único dia nunca é o suficiente para absorver tanta informação. É aí que bate aquela inveja de Hubert, personagem central do quadrinista de origem belga Ben Gijsemans, e de sua HQ de mesmo nome.
Hubert passa o seu tempo livre visitando museus - mas quando eu digo visitando, eu quero dizer visitar várias e várias vezes. A calma com a qual admira as telas é transportada para o quadrinho com a sutileza dos movimentos dos quadros. As passagens de quadros de maneira lenta, que lembra o rolo de um filme, também fica presente em outras cenas quando ele tem que interagir com alguém ou com o que tem em sua volta. Essa, talvez, seja a parte mais marcante da HQ de Ben Gijseman: o movimento lento e artístico em que ele apresenta a obra ou o cotidiano admirado por Hubert.
No seu dia a dia, suas interações sociais se baseiam em tirar fotos para estranhos em museus; responder a perguntas de funcionários desses locais; além de dar caronas a estranhos que estão indo de Paris para Bruxelas, seu caminho de volta após visitar algum museu nessa cidade. Também passa por tentar evitar contato com a sua senhoria, uma mulher de meia idade, também solitária que tenta buscar nos braços de Hubert algo que não sente há muito tempo.
No início do álbum, vemos-lo visitando, em sua cidade, Bruxelas, os Museus Reais de Belas Artes, composto por quatro museus, dentre eles os dois importantes museus de arte antiga, com obras do século XV até o século XVIII, incluso uma famosa coleção de arte flamenca. Já o museu de arte moderna nos traz obras do século XIX até a atualidade, com destaque para o surrealismo belga. Já em outra parte da HQ, descobrimos que ele viajou mais de 300 quilômetros para ver, dentre outras obras, Olympia, de Manet, no Museu D'Orsay na França. Essa sua relação com a arte fica cada vez mais evidente quando mostra sua intimidade em seu apartamento, no qual trabalha fazendo cópias das fotos tiradas de quadros enquanto estava em um desses museus. Pela janela, ele se fascina com a vizinha regando o jardim.
Tudo muda quando instintivamente Hubert tira uma foto de sua vizinha e ela percebe. O peso na consciência se une à angústia por ter agido de maneira tão impulsiva. A maneira com que isso é retratado usa lenta passagem de cenas, dele fotografando dentro do museu, e de sua casa pela janela. Após isso, mesmo que sutilmente, tudo muda na vida dele.
É claro que nem tudo são flores nesta história. Ben Gijseman é um artista muito visual e isso fica evidente na bela arte e no seu processo de criação do álbum. Mesmo sendo a proposta, Hubert carece de diálogos. A história é muito sutil e pode passar despercebida para quem a lê uma primeira vez.
Abaixo, segue entrevista com que fiz com Ben:
GT - Eu li que Hubert foi o trabalho de conclusão da faculdade que você estudou, mas qual era a faculdade? E qual o curso?
Ben- Eu estudei animação por 5 anos (3 anos de bacharelados e 2 anos de pós-graduação) em Gante, depois disso eu estudei um semestre extra em Bruxelas, que foi ilustração em quadrinhos. Neste último ano eu iniciei o projeto "Hubert", com o roteiro e a arte dos três primeiros capítulos do livro. Depois, eu trabalhei em um estúdio de animação enquanto terminava o livro.
GT - Quais foram as técnicas utilizadas na produção dessa bande dessinée?
Ben - Desenhos com lápis, depois escaneio os desenhos, imprimo (o que dá um ótimo visual desbotado), depois escaneio novamente e pinto no computador.
GT- Você pode me dizer se alguma editora portuguesa ou brasileira se interessou em publicar seu material?
Ben - Eu adoraria se isso acontecesse. Eu já tive sorte com todas as traduções. Segue informações sobre as traduções já realizadas com o livro: https://www.flandersliterature.be/books-and-authors/book/hubert
GT- Você é nascido na Bélgica? Li que se mudou para a Bélgica, mas não estava claro de qual lugar.
Ben - Eu sempre vivi na Bélgica. Eu cresci em Aarschot, estudei em Gante e então me mudei para Bruxelas, onde vivo no momento.
GT - Qual sua relação nas histórias em quadrinhos? Desde quando lê? Você também tem alguma inspiração em literatura tradicional?
Ben- Eu amava quadrinhos quando criança, como toda criança. Não posso dizer que tenho o mesmo interesse que tenho agora, como adulto. Eu amo arte em geral. As histórias em quadrinhos não necessariamente se destacam para mim, mas são agradáveis também. Eu pego minha inspiração de todos lugares, principalmente filmes e literatura. Eu não tenho lido muitos quadrinhos e não considero uma inspiração para meu próprio trabalho. Eu amo aprender, então no momento leio livros de não-ficção (livros de psicologia e filosofia).
GT - Eu sei que algumas histórias estão abertas para interpretação. Ao final de Hubert, o personagem principal tem a oportunidade de ficar com sua senhoria; de qualquer maneira, ele decide ir para seu apartamento para pintar sua vizinha. Eu li críticas de algumas interpretações na internet, algumas pessoas dizem que Hubert não entendia o que sua senhoria queria com ele; outras interpretações dizem que ele simplesmente a evitou porque não sabe mais como fazer contato humano, que seria o melhor para ele e que tudo que ele precisa é pintar o que vê por sua janela. Você pode comentar essas observações?
Ben - O livro mostra um pedaço da vida de uma pessoa extremamente introvertida, então contém muitos temas. O plot inicial existe para manter a história para uma direção, mas não é necessariamente o ponto do livro. Explicar o plot não é muito interessante, pois tira um pouco da experiência. #SPOILERS# Hubert não gosta de contatos sociais, ele está feliz em sua maneira. Ele tem uma forte paixão por pinturas clássicas e a beleza feminina representada nessas pinturas. Ele faz cópias dela em sua casa. Sua vizinha, a moça que ele pode ver pela janela, o atinge também por ser bonita. Em um ponto no livro ele percebe essa vista, de sua janela, como uma grande beleza, como ver uma pintura. Sem pensar nisso, ele tira uma foto de sua vizinha com sua câmera, da mesma maneira que faz nos museus. A vizinha percebe ele, o que faz Hubert perceber o que ele fez. Isso tem um grande efeito nele. Envergonhado, se sente como um voyeur. Até mesmo as visitas dos museus não são as mesmas. Ele está perdido. No final do livro ele percebe que precisa fazer algo sobre isso. Fazendo uma pintura da foto que tirou, ele dá um sentido a tudo isso. É o mesmo, porém diferente. Ele pinta, mas pela primeira vez criando uma arte original, não a cópia. É um evento excitante para Hubert.
GT - No trabalho, Hubert visita o Museu Royal de Belas Artes da Bélgica e O Museu d'Orsay na França. Você pretende seguir essa linha, com ele visitando outros locais do mundo? Você tem algum outro quadrinho em progresso?
Ben - No momento estou trabalhando em meu segundo livro, que sairá no próximo ano. É uma nova história e experiência, então não será outra história com esse personagem.