Fantasia cotidiana
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por Pedro Brandt
O prêmio de revelação dado em 2009 a Bastien Vivès no
Festival de Angoulême — evento francês dentre os mais relevantes para as
histórias em quadrinhos na Europa — colocou em evidência o talento do jovem
autor e da obra pela qual ele foi premiado na ocasião, O gosto do cloro (Le
goût du chlore). Publicada originalmente em 2008, ela acaba de chegar ao Brasil
pelo selo Barba Negra (ligado à editora Leya). Independente de distinções e
honrarias, o trabalho merece ser conhecido por seus méritos próprios. É, desde
já, um dos melhores lançamentos do ano.
Se o leitor quiser chegar logo ao
final da história, consegue passar pelas 140 páginas em 15, 20 minutos. No
entanto, cada uma delas é um deleite visual, permitindo uma leitura mais
demorada, atenciosa e, consequentemente, mais prazerosa. Todo os elementos
apresentados ali são preciosos, desde a escolha das cores (o verde e o cinza,
em diversos tons, estão em toda parte), as angulações das cenas, as expressões
dos personagens e, especialmente, como o desenhista consegue causar a sensação
da passagem do tempo ao longo da narrativa. Os silêncios e tempos mortos são
detalhes muito bem explorados pelo autor. Isso talvez se explique pala formação
de Bastien Vivès: o francês de 28 anos é graduado em artes plásticas e cinema
de animação. Se ele quiser transformar O gosto de cloro em curta-metragem, já
tem pronto um minucioso story board.
Amizade na água
Em nenhum momento da HQ são
apresentados os nomes dos personagens e as informações sobre eles são
praticamente inexistentes. Nem precisaria ser diferente, já que no desenrolar
da breve história os poucos diálogos são o suficiente para causar empatia.
A HQ começa em uma sessão de
fisioterapia. O protagonista é aconselhado a praticar natação para melhorar seu
problema nas costas. A pouca habilidade para nadar, a solidão na piscina (e o
tédio decorrente dela) fazem com que ele pense em desistir.
A situação muda quando o
personagem finalmente conhece uma nadadora. O rapaz já a observava havia algum
tempo. A moça o ajuda com dicas sobre natação. Ele quer conhecer um pouco mais
sobre ela, faz perguntas. Ali na piscina, nasce uma amizade. Eles brincam,
nadam e conversam. A natação, antes um fardo, ganha outra dimensão na rotina do
protagonista.
A partir de um determinado
momento na narrativa, preencher as lacunas deixadas por Bastien Vivès fica a
cargo do leitor. Um relato bastante cotidiano até então, O gosto do cloro
ganha, nas últimas 21 páginas, leves ares de fantasia. A sequência final — que
pode ser encarada como uma metáfora sobre o inalcançável — é de tirar o fôlego,
literalmente.
O gosto do cloro
De Bastien Vivès. 144 páginas.
Barba Negra/ Leya. R$ 39,90.