A Meca dos gibis virtuais: entrevista com PC Castilho























por Pedro Brandt

Quem lê a Raio Laser, sabe que o nosso negócio são os “quadrinhos além”, em resumo, não queremos nos limitar ao esquemão dos quadrinhos mainstream. Para isso, é necessária toda uma dedicação, toda uma pesquisa para encontrar esses títulos que mais chamam a nossa atenção, que abastecem a fogueira da nossa paixão pelas HQs. Além de visitas a sebos, troca de ideias com amigos etc. e tal, tem um blog em especial que virou a minha Meca dos gibis, um espaço virtual que preciso visitar religiosamente todos os dias. Ali, achei quadrinhos que sempre quis ler, mas nunca tinha encontrado (em edição física ou virtual), outros que já li, mas são muito bem vindos em minha “coleção de scans” e, principalmente, quadrinhos que eu jamais saberia da existência não fosse pelo HQ Point.

Com um visual simples (quase um fanzine virtual), mas de fácil navegação e, o principal, democrático (todos os downloads são gratuitos), o blog é onde me abasteço. Confesso: às vezes a gula é maior do que a vontade de comer, e muitos arquivos esperam meses até serem conferidos. Coisas do nosso tempo – como essa nova possibilidade de poder ler, de graça, quadrinhos que, de outra forma, eu continuaria desconhecendo.

Se o HQ Point está certo em distribuir todo esse material gratuitamente, é motivo de um longo debate (e um muito pertinente nos dias de hoje). Acredito que o PC Castilho, editor do blog, tem uma postura muito correta com relação a isso, como ele mesmo comenta em uma das perguntas da entrevista a seguir. Acima de tudo, acho que o HQ Point presta um grande serviço aos leitores brasileiros de quadrinhos – e não deixa de ser curioso saber que os títulos mais baixados no blog não são quadrinhos, mas livros sobre ilustração.

Se tem um blog que complementa o que é a proposta da Raio, esse é o HQ Point. Se você não o conhece, recomendo uma visita longa e demorada. Boa leitura!


Como e quando começou o HQ Point? Já era a sua ambição que o blog tomasse essa proporção, essa quantidade de títulos disponíveis para download?

Até pouco tempo atrás, eu não sabia o que era um blog e muito menos conhecia scans. Foi quando chegou do Japão o amigo Takao, trazendo vários arquivos, que me deixaram impressionado. Em pouco tempo, eu estava visitando vários blogs e baixando tudo que via. Com o tempo, percebi que todo mundo postava praticamente as mesmas coisas. Senti que faltava algo diferente no mercado e resolvi criar meu próprio blog.

O HQ Point começou como um blog para venda de revistas. Faltava divulgação e o número de visitas era desanimador. Resolvi então disponibilizar scans, os títulos que não eram encontrados nos blogs que eu visitava. Sempre curti o quadrinho europeu. Na verdade, comecei lendo super-heróis, como a maioria dos leitores, mas depois que conheci o quadrinho europeu meu gosto foi se sofisticando.

Meu objetivo era atingir 100 mil visitas. Ultrapassamos fácil a meta e meu objetivo agora é 1 milhão de visitas! E olha que a nossa página é bem grande, com um número variado de edições. Alguns blogs apresentam quatro ou cinco edições e já mudam a página, o que faz o contador de visitas pular a todo instante.

Possuir o número de títulos disponíveis no blog seria impossível para qualquer colecionador se ele tivesse que adquiri-los em papel. Acho que está aí uma das vantagens do scan. Quem se nega a ler scans vai ficar sem conhecer uma grande quantidade de títulos. Se bem que eu não acredito que o cara que diz ser contra scans, de vez em quando, não baixe alguma coisa.

QG da HQ Point
O site tem muitas postagens quase diariamente. Hoje em dia, o HQ Point ainda é um hobby ou virou uma obrigação?

Virou vício. Não consigo passar um dia sem fazer uma tradução, diagramação, digitalização, tratamento de imagem ou postagem. Olhar a caixa de mensagens também é outro vício. Consegui fazer grandes amizades através do blog. Sou autodidata no espanhol. Sei que ainda não estou 100% nas traduções, mas tento fazer um trabalho aceitável.

Você mora em Goiânia, certo? Como é a cidade para os quadrinhos (para comprar coisa antigas e tal)?

Sim, moro em Goiânia. O mercado de quadrinhos por aqui já foi bem melhor. Hoje, como em todo o resto, anda meio escasso. É difícil encontrar um leitor e mais difícil ainda é encontrar revistas usadas para comprar. Antigamente, qualquer banca as tinha e os sebos estavam abarrotados. Hoje tá todo mundo vendendo pela internet, com valores lá em cima. A sorte é que tenho um grande número de amigos colecionadores e estão sempre nos ajudando, emprestando suas revistas. Meu “point” hoje em Goiânia para comprar revistas é no sebo de um amigo, Hocus Pocus, onde consigo a maioria das revistas que disponibilizo.

Imagino que a sua coleção de quadrinhos deve ser bem extensa. Fale um pouquinho sobre a sua história como colecionador: quando começou a paixão pelos quadrinhos? Quantos títulos você tem em casa?

Já fui daqueles caras que compravam de tudo. Cheguei a ter tanta revista que me faltava espaço para guardá-las. Nos anos 1980, eu e o Marcio Jr. (O Ogro) fizemos em Goiânia a Primeira Exposição de Quadrinhos, que aconteceu na Livraria Flicts e teve a participação do Ziraldo, que estava presente para lançar o seu livro com o mesmo nome da livraria.

No começo dos anos 1970, meu irmão pediu pelo reembolso postal algumas edições da Outubro e Taíka. Me lembro perfeitamente de folhear as revistas e ver trabalhos do Rodolfo Zalla e Colonnese. Essa foi a primeira luz.

No final dos anos 1970, nos mudamos para uma pequena cidade do interior aqui de Goiás. Lá não tinha televisão. Meu irmão trabalhava na capital e nos finais de semana ia pra lá de ônibus. Um dos amigos dele trabalhava em uma distribuidora de revistas aqui da cidade e levava inúmeras revistas sem capas pra mim (era a “devolução” das bancas). Através dessas revistas, eu passei a fazer pedidos pelo reembolso postal. Comprei praticamente tudo que a EBAL disponibilizava. Minha mãe fazia pequenas viagens nas cidades vizinhas, e como na minha não existia bancas de revistas, ela sempre trazia algum exemplar de Tex (Vecchi) ou Homem-Aranha (Bloch).

Nos anos 1980 eu editei o fanzine Imaginação 1985. Gastei uma grana preta para lançar a primeira edição em off-set, que teve a participação de Julio Emilio Braz, Rodval Matias, Mozart Couto, Geraldo Cavalcanti e outros. Existe uma versão digital em nosso blog.

Nos anos 1990, passei a comandar um fã-clube de Elvis Presley, o TCB Elvis Fã Clube, que passou a me exigir muito tempo e acabei deixando os quadrinhos de lado. Só voltei aos quadrinhos em 2004, com a chegada do Takao. Comecei a comprar revistas novamente, só que de maneira bem mais seletiva.

Hoje tenho uma imensa quantidade de revistas, mas a maioria são de minha loja virtual. Minha coleção mesmo é de mais ou menos umas 500 revistas, a maioria álbuns importados no estilo “The art of...” ou edições com capa dura de seleções especiais (com desenhistas ou personagens preferidos). Os únicos títulos que compro mensalmente nas bancas são Tex e Mágico Vento.


Quais são os seus títulos, autores, escolas e personagens favoritos?

Desenhista preferido: Al Williamson (da velha guarda). Dos desenhistas atuais eu gosto muito do italiano Mastantuono e do brasileiro Mozart Couto.

Não dá pra abrir mãos dos álbuns europeus. São deles os melhores desenhistas, os melhores roteiristas, eu poderia citar uma grande quantidade deles, mas é melhor não ser tão detalhista.

Vai ser difícil surgir um personagem com a qualidade de Ken Parker, que é o melhor pra mim.

É claro que existem os grandes mestres, que estão entre os meus prediletos: Red Crandall, Angelo Torres, Eisner, Raymond, Milton Cannif, Alex Toth, Flavio Colin, Shimamoto, Rodval Matias, Carlos Chagas, Benicio...

Como o HQ Point tem funcionado hoje em dia? Você recebe muitas colaborações ou faz tudo sozinho? O que é mais difícil nesse processo?

Antigamente eu fazia praticamente tudo sozinho. No final do ano passado, passando por algumas dificuldades, pedi ajuda aos nossos usuários. Tive que praticamente “trancar” o blog, repassando os links somente àqueles que estavam ajudando. A resposta foi rápida. Recebemos ajuda até mesmo financeira e surgiram vários colaboradores.

Fui muito criticado pela atitude de “trancar” o blog e por estar recebendo dinheiro. Mas é importante ressaltar que só assim foi possível continuar com o blog, que melhorou muito depois desse episódio. A ajuda financeira possibilitou a aquisição de um novo scanner, pude melhorar a velocidade de nossa internet e adquiri muito material interessante. Depois de dois meses, o blog voltou a ficar “liberado” a todos. Quem não ajudou está desfrutando o material e trabalho de quem ajudou... e olha que poucos foram contra a minha atitude. A maioria entendeu numa boa.

Os maiores colaboradores do HQ Point são os amigos João de Deus (Brasilia-DF), Paulo Henrique (aqui de Goiânia) e J. Valverde (Portugal), sem querer desmerecer os outros amigos/ colaboradores, é claro.

Atualmente estou na batalha de traduzir e diagramar toda a série de Blueberry. Estou em busca de amigos que possam ajudar na tradução e diagramação dos álbuns, mas é difícil encontrar pessoas que queiram dedicar tanto tempo a um trabalho que não vai gerar lucro algum. Faço isso por puro amor e vício aos quadrinhos.

O mais difícil em tudo isso é ainda ter que ouvir críticas negativas em relação ao nosso trabalho. Tem uns cretinos que têm a coragem de dizer que estou “ganhando dinheiro” com o blog, que estou “explorando as pessoas”. Outros ficam procurando erros nas traduções... poderiam estar colaborando como colaboradores. Mas eu não ligo pra isso... Polêmicas sempre geram uma boa divulgação e eles acabam me fazendo um grande favor.


Qual o quadrinho mais baixado da história do site? E qual aquele que você achou que seria um sucesso, mas acabou não sendo? E você tem feedback dos leitores? Como tem sido essa interação?

Os arquivos mais baixados são os de arte (revistas que ensinam a desenhar, livros com a arte de determinados desenhistas). As que têm liderado em downloads são Illustration Magazine. Não houve nenhum título que tenha me decepcionado, todos os arquivos recebem mais de 200 downloads. Poucos leitores dão retorno com comentários, mas os poucos que chegam são tão “ricos” que valem por todos. Por incrível que pareça tenho recebido retorno da França, Estados Unidos, Argentina, Chile, Espanha, Itália e até do próprio Arcângelo Stigliani, autor de Cargo Team (desenhada por Mastantuono) e disponibilizada em nosso blog, escreveu nos elogiando pelo nosso trabalho.

É claro que a interação tem aumentado. Hoje eu poderia “trancar”, ficar apenas com os amigos que realmente estão interessados em ajudar. Mas minha intenção é formar a cabeça de novos leitores, mostrar pra eles que existem muitos quadrinhos de qualidade e que dificilmente serão publicados por aqui.

Com a ajuda do Takao, que tem postado muita coisa, o trabalho ficou mais tranquilo. O legal de tudo isso é que o gosto dele é completamente diferente do meu, o que tem dado uma certa diversificada ao blog. É aquilo que eu falo, quem mais lucra nessa história são os nossos usuários.

Você já foi contactado por alguma editora por causa dos downloads? Qual a sua posição quanto à distribuição gratuita de conteúdo na internet?

Já fui procurado por três editores, não para reclamar dos scans, mas sim para pedir divulgação dos trabalhos deles. Acho que a coisa funciona por aí. Eu sempre defendi que os editores precisam se unir aos blogs de scans, usá-los como fonte de pesquisa e divulgação. Através dos blogs, dá pra se ter uma idéia de que tipo de material os leitores estão lendo. Por mais que o camarada baixe arquivos, ele sempre compra uma ou outra edição no papel. A internet veio para democratizar a coisa. Antigamente, éramos obrigados a comprar uma revista com cinco histórias ruins e uma boa... comprávamos por causa de um desenhista ou roteirista de nossa preferência. Hoje isso já não é mais preciso, podemos adquirir aquela história na versão digital. Mas se sai um álbum no estilo da Cripta (Mythos), não tem como resistir sem comprar o álbum.

O que eu não concordo é disponibilizar edições de revistas que estão sendo publicadas no mercado nacional. O digital está sempre na frente e acaba prejudicando o mercado. Tem tanta coisa boa pra se disponibilizar, material que não foi publicado e nunca será. Posto muita coisa que está saindo na Europa, mas que por enquanto não tem nenhum editor brasileiro publicando.

Penso que quando algum editor se sentir prejudicado com algumas postagens, ele deveria entrar em contato com os blogs e solicitar a retirada dos arquivos. Reclamar com os provedores e fechar o blog não resolve o problema, pelo contrário, só causa revolta nos blogueiros, que irão encontrar outras formas de distribuir os arquivos digitais.

Outro pensamento meu é que devemos assumir o que fazemos. Eu uso meu nome verdadeiro. A partir do momento que usamos apelidos e não nos identificamos, estamos agindo na marginalidade.

Acredita que os tablets ou outros aparelhos de leitura digital vão, com o passar dos anos, substituir o quadrinho em papel? E o que você acha dessa mudança?

Falaram que a televisão iria acabar com o rádio... isso não aconteceu. Os tablets apenas vão facilitar as coisas, mas as edições de papel vão continuar por muito tempo. A tendência é parar com as revistas ruins e ficar só os álbuns de luxo (no papel). Eu mesmo não abro mão de uma boa edição com capa dura e papel couché. A mudança vai atrair novos leitores, essa gurizada que gosta de informática. Também irá facilitar as coisas para quem estiver viajando... poderão carregar livros, revistas, vídeos e músicas em um pequeno equipamento que cabe fácil na mala.

Tá na hora dos artistas começarem a pensar em maneiras diferentes de vender seus trabalhos. Por exemplo, ao invés de vender seus trabalhos para as editoras, por que não disponibilizar histórias em um site pessoal e vender espaço publicitário para empresas? Já que o scan tem uma boa audiência, nada melhor para as empresas que querem ver seu produto circular entre os consumidores.

Se você fosse indicar 10 títulos para quem nunca visitou o HQ Point, quais seriam e por que?

1) Blueberry: por ser uma série que nunca foi publicada na íntegra no Brasil

2) Bouncer: por ser um ótimo western, escrito pelo chileno Jodorowsky e traduzido por nós

3) Long John Silver: uma série que mais parece um filme.

4) Mestres do Terror: que resgata as obras-primas publicadas por Zalla

5) As edições da Marvel sem balões: nas quais poderão apreciar a arte dos desenhistas

6) Tarzan – Lança de ouro: praticamente completa, pela arte de Joe Kubert

7) As revistas e livros da Dolmen (em espanhol): nas quais os leitores poderão ficar sabendo de muita coisa que ainda não se publicou por aqui.

8) Belém: outra série, na qual estou trabalhando na segunda edição. Outro “filme” em quadrinhos.

9) The Jack Kirby Collection: que está temporariamente “fora do ar”... links quebrados.

10) Kripta, da RGE, que foi retirada em respeito ao editor da Mythos, que está publicando os álbuns especiais.