PIMBA na gorduchinha!

por Ciro I. Marcondes

Estando no “exílio”, recebo pouco material nacional aqui, e é por isso que a chegada do número dois do Jornal Pimba foi motivo de celebração. Já falamos sobre esta heroica publicação de Brasília aqui. O formato de jornal, que atrai certa nostalgia e ao mesmo tempo impulsiona novo entusiasmo às artes da ilustração e dos quadrinhos, é aquela contradição “do bem”: é barato, dá espaço para os desenhos fazerem vingar seu potencial, e além de tudo possui uma relação afetiva com a história dos quadrinhos. Afinal, os quadrinhos nasceram nos jornais. Aqui na França, a tradição de jornais (ou revistas que começaram como jornais) que publicam quadrinhos (de aventura ou humor) persiste até hoje. Não apenas nas pedras inaugurais belgas (Spirou, Tintin), mas em publicações que mantêm sua essência: Le Canard Enchainé, Fluide Glacial, Pilote, Charlie Hedbo. O Pimba aparece, em meio a estas leituras, em perfeita sintonia.

Felipe Sobreiro

Paradoxal também acabou sendo a leitura do segundo Pimba, já que, tendo lido a vigorosa e em tudo impressionante primeira edição, a sede de que o repeteco viesse na mesma toada era grande. Pois é, meus amigos: posso dizer que conheço o pessoal que faz o Pimba, mas não posso simplesmente me render a uma crítica camarada. Perfeito em diagramação (desta vez rosa e preto), com todo um cuidado de curadoria e franca honestidade artística, o Pimba, além de tudo, ofereceu bons textos de qualidade literária. Meu lado “estudante de Letras” (atrofiado há anos) se despertou com a capacidade que alguns colaboradores ali têm em escrever. O paradoxo, no entanto, veio junto com quadrinhos um tanto abaixo da média, que demonstram talvez uma concepção apressada aqui, um deadline apertado ali, uma escolha temática infeliz acolá. O que terá causado tal deslize?

Vejamos, primeiro, o papel dos mais veteranos: se temos um bom caso de experimentação como o jogo da memória e da imagem em quadrinhos com André Valente (o nosso “Chris Ware encontra Walt Disney”, ainda em processo de amadurecimento), com Eduardo Belga temos apenas uma tentativa de condensar grandes histórias em poucos quadros (“Mas não presta muito contar assim, só por alto. Um dia eu conto estas histórias direito”, admite). Neste caso, é preciso decidir: fazer o quadrinho narrativo direito, com desenvoltura e, especialmente, muitos quadros, ou o negócio é optar por outro gênero, mais próximo da poesia e dos sincretismos.

André Valente

Daniel Carvalho

A mente fértil de Gomez, esse sim adepto das narrativas, geralmente cíclicas, pequenas parábolas de uma Brasília juvenil, aqui bate ponto, entrega coisas engraçadas, mas causa a impressão de não ter dedicado seu melhor. Estaria Gomez se repetindo? Sim, quando o cara é bom e muito exposto, aumenta-se a cobrança. Ninguém disse que era um mundo justo. O mesmo ocorre com Daniel Carvalho, exímio ilustrador que, no campo narrativo, causou-me a impressão de ter replicado, de certa forma, a história que fez para a edição anterior.

Meus quadrinhos favoritos na edição vão para Felipe Sobreiro e “A caixa”, uma história meio “gangues de Brasília nos anos 90” com um toque surrealista à Robert Silverberg. Despretensioso, eficaz, nada mal. A outra que me agradou foi “O mestre dos muros”, quadrinho hoje póstumo do talentoso Mateus Gandara, uma linda parábola budista contada com a regularidade tântrica dos requadros tabulares, muito bonitos na diagramação do jornal.

Entre os que estrearam, aliás, há ainda arroz com feijão para comer. Pedro D’Apremont (nosso Peter Bagge do black metal), mesmo que tenha a grande vantagem de estar criando um universo e um imaginário comuns aos seus quadrinhos, ainda precisa calibrar melhor as gags e piadas, um tantos canhestras aqui. Já a Gabi LoveLove6 arrisca uma narrativa confessional, mais realista, muito direta. Não me agrada muito quando um discurso engajado parece simplesmente literal. Joga contra. Melhor voltar ao lirismo despojado e transgressor do Garota Siririca. Por fim, vale falar no quadrinho tóxico e mala (no bom sentido, se é que isso existe) do Heron Prado, herdeiro de Gabriel Góes, que dá um bom upgrade no nonsense rabiscado de Futuro do Pretérito.

Mateus Gandara

Literatura

Pedro D'Apremont

Juventude de maloqueiragem anos 90, puberdade sem qualquer romantismo e algum trato experimental, aliás, é o tom nas narrativas literárias do jornal. Pode parecer excesso de nostalgia de tempos mais simples e crus (o que na verdade não é ruim, dado o mundo de merda em que vivemos), mas os autores conseguem verter essas coisas em qualidades, visões de mundo, perspectivas literárias. Afinal, são três ou quatro contos falando de molecagem, 13 punhetas por dia, tesão pela professora, etc. Destas, gostei especialmente de Diário do Timor Leste, escrito por Danylton Penacho, uma série de relatos escrachados, mas carregados de melancolia quase exclusivamente brasiliense, como se fosse um retrato “ame-ou-odeie” de alguém ligado umbilicalmente à sua cidade. Também vale a disposição mais clássica, cômica e cruel de Retrato ao redor de um banheiro, do veterano Milton Sobreiro, além do trato à Murilo Rubião do onírico Colcha de chenile (também de Penacho), além da poesia que trinca os espaços modernistas de Brasília em Espaço é um local cercado de cantos por todos os lados, de Biu.

Heron Prado

A joia da edição, IMHO, no entanto, fica com a qualidade de literatura impressionista do conto O asfalto, de Pedro Menezes, uma jornada febril em discurso indireto livre que parte de uma aula de educação física até o mais irrevogável niilismo. Se o Pimba declaradamente não possui uma linha editorial, a própria geração de quadrinistas e escritores faz questão de trazer naturalmente suas angústias e problemáticas, criando uma massa comum de memórias e experiências com o corpo e com o espaço da cidade, marca profunda e indelével da contemporaneidade. O Pimba, com seu pé no passado, mas com mãos que apontam o futuro, carregado de imperfeições (não podia ser diferente), é talvez a melhor expressão da cultura de Brasília nos dias de hoje. Afinal, do absurdismo dos quadrinistas às trevas de Pedro Menezes, há um substrato comum com o qual qualquer brasiliense se identifica.

PS: e viva Osmar Santos!   

Extra! Extra! Pimba vem aí!

por Pedro Brandt

“Quadrinho? Jornal? Arte? Entretenimento? Herói? Humor? Que cada um decida como perceber Pimba”, sugere o editor Danylton Penacho em texto de apresentação sobre esta novíssima publicação brasiliense. A Pimba é tudo isso e um pouco mais e, a julgar por outra parte do release escrito por Danylton, liberdade é palavra de ordem na redação deles: “Não teve pauta, não teve editoria, tema, ideias vetadas. Cada um fez o que quis como quis e que agora assuma a responsabilidade de tocar o seu pandeiro, como diria Francisco da Ciência”.

Ou seja, conceitualmente, a Pimba não é muito diferente de outras tantas publicações independentes de quadrinhos que vêm surgindo a rodo nos últimos anos no Brasil. Ao mesmo tempo, ela não é qualquer publicação, especialmente porque a equipe é formada por ilustradores experientes que garantem um visual imponente e um acabamento gráfico primoroso, que chama a atenção desde a capa até a última página. O fato de a Pimba ser um jornal – formato pouco ou nada usado por quem faz quadrinhos hoje em dia no País – também ajuda na impressão positiva.

Com 32 páginas, tamanho um pouco maior que o tabloide, impressa em duas cores (azul e preto sobre papel branco), vendida por módicos R$ 5, a Pimba apresenta histórias em quadrinhos, tirinhas, crônicas e pinups. O conteúdo tem algumas ótimas sacadas (tanto visuais, quanto de texto) e outras totalmente dispensáveis, mas o resultado, no final das contas, é bastante simpático. É possível perceber um esforço para contar histórias, expor ideias, não ficar apenas na autoindulgência, na preguiça intelectual e no nonsense vazio (ainda que ele também esteja presente). Que venham mais – e melhores – edições.

Às vésperas do lançamento do jornal em Brasília, que será realizado com festa no Sindicato (705 Sul, bloco A, casa 35), a Raio Laser trocou uma ideia com os idealizadores da Pimba, equipe formada pelos craques Caio Gomez, Daniel Carvalho, Felipe Sobreiro, Leandro Mello, o editor de texto e cronista Danylton Penacho e a diagramadora Sarah Sado. Confiram o bate-bola a seguir:

Como surgiu a Pimba? Todos vocês já publicaram em outras revistas/zines, então qual a necessidade que viram em mais um publicação do tipo? Como vocês definem a proposta editorial do jornal?

Gomez: Bem, acho que sentíamos falta de uma publicação legal, com uma periodicidade decente. Eu e o Daniel já conversávamos bastante sobre isso. Daí foi um pulo para juntarmos uns amigos que admiramos pra caralho e que sentiam o mesmo vazio interior. A ideia era fazer um negócio com texto, ilustração, quadrinhos e que fosse barato, logo, abrindo mão de uma impressão refinada, meio que no contrafluxo do quadrinho ostentação atual. Algo que o formato jornal atendeu bem. Mas como produto final, talvez o maior diferencial da Pimba seja a presença de um editor de texto – a bagagem que o Danylton Penacho trouxe deu uma cara bem diferente para o jornal.

Para vocês, o que significa a palavra Pimba?

Gomez: Tem a onomatopeia, tem a melodia fácil ou pouco elaborada (em Portugal é bem popular), tem o mau gosto ou fraca qualidade e tem o Pseudo-Intelectual Metido à Besta Associado, esse último cunhado pelo saudoso Adolar Gangorra.

O formato jornal é inusitado dentro do meio dos quadrinhos independentes. Pensam em manter o formato jornal para as próximas edições?

Sobreiro: A ideia é manter o formato de jornal sim. A gente queria precisamente um tipo de publicação diferente do que é visto normalmente no meio das HQs. E agora que o jornal como meio está morrendo, resolvemos ressuscitar e aproveitar esse grande formato. Uma das diferenças é que o jornal "de notícias" tem uma vida útil de um só dia, o Pimba não tem esse problema, é atemporal.

E por falar em próximas edições, seria possível adiantar alguma coisa do que vocês estão planejando para o futuro da Pimba? Quais autores poderemos ver futuramente na Pimba?

Sobreiro: Ainda é meio cedo pra falar, mas a ideia é que os membros fundadores (Leandro Mello, Caio Gomez, Daniel Carvalho, Danylton Penacho e Felipe Sobreiro) sempre tenham material novo no jornal, mas queremos chamar novamente os convidados que apareceram no número 1, gente como Gabriel Góes, Stêvz, Roberta Ar, André Valente, e ir convidando outros, do Brasil todo, mas dando uma ênfase pro pessoal de Brasília.

Manter a periodicidade de um publicação é um desafio. Acreditam que conseguirão lançar uma nova edição a cada três meses? Quais outros desafios vocês enfrentam/enfrentaram na produção do jornal?

Sobreiro: Olha, a gente demorou muito fechando o primeiro número, resolvendo problemas, definindo a cara do jornal, nos distraindo com eventos, etc. Agora que já estamos com o trem em movimento, a ideia é não perder mais tempo e já fechar o segundo número, e manter religiosamente a periodicidade. O número 1 ainda nem foi lançado oficialmente e nós já lidamos com uma série de problemas que serão evitados nas próximas edições. A expectativa é que cada número vá ficando mais tranquilo de montar que o anterior.

Os encontros, feiras e convenções de quadrinhos estão cada vez mais populares no Brasil, sempre

 com a participação dos autores independentes (ou “dependentes”, como alguns se chamam). Como vocês enxergam esse movimento, tanto no sentido de articulação, quanto do resultado do que tem sido feito por essa galera?

Mello: Bom, passamos um bom tempo elaborando material, produzindo coisas para participar de eventos. Essas feiras/eventos funcionam como um grande laboratório, é lá que a gente vê como o nosso material se comporta. Lá temos contato com diversas pessoas: autores, produtores, editores e consumidores. E é sempre uma troca de experiência muita intensa, ainda mais quando vamos para outros estados. Penso que as feiras independentes têm um papel fundamental no fortalecimento do cenário nacional. São nessas feiras que você encontra pessoas que estão batalhando pra poder se inserir no mercado. Gente que enfia a mão na massa, sem editora (ou criando a própria editora), e com pouco dinheiro e pouco recurso. São essas feiras que dão a oportunidade de você mostrar seu produto e poder vendê-lo. E pro consumidor também é uma oportunidade única de encontrar coisas que não estão nas prateleiras das livrarias.

Ainda sobre o assunto da pergunta anterior, o que você acham que pode melhorar nesse universo dos autores (in)dependentes?

Mello: Não sei dizer exatamente o que se pode melhorar. Poderia falar em retorno financeiro, mas isso não é o que nos motiva. Claro, queremos retorno, temos contas pra pagar. Mas essa não é nossa principal questão. Não sinto a necessidade de que as coisas devem melhorar. Sinto a necessidade de continuar fazendo. A única coisa que eu quero é manter minha condição para continuar fazendo. Acho que as melhorias virão com o tempo e o amadurecimento de um mercado que é novo. Vai ser natural.

Vocês todos trabalham com artes gráficas (ilustração, design, etc) e, paralelamente, produzem quadrinhos. Viver só (ou principalmente) de quadrinhos é um sonho que alimentam?

Daniel Carvalho: Viver de quadrinho autoral ainda é um pouco custoso, porém o cenário tem mudado e quem sabe num futuro breve poderemos pagar nossas contas se autopublicando.