Gibiteca TT Catalão: nova era, em busca do tempo perdido

Gibiteca TT Catalão: nova era, em busca do tempo perdido

por Pedro Brandt

A nova gibiteca do Espaço Cultural Renato Russo tem aproximadamente 23 mil títulos, entre quadrinhos de super-heróis, mangás, HQs infantis, periódicos e, em quantidade bem menor, graphic novels. Raimundo Lima Neto pintou um belo mural no local, e telas assinadas pelo veterano Jô Oliveira, anteriormente parte da decoração da desistalada gibiteca da Biblioteca Demonstrativa, agora também estão lá. Só posso desejar, depois de tantos anos desmontada, que a gibiteca recupere esse tempo perdido e que encante novos frequentadores como encantou a mim na adolescência – e que a sua existência, mais uma vez, incentive novas realizações artísticas e culturais e iniciativas empreendedoras.

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ConstelaChão: a FabriquInvenção das CidadesSonhos

ConstelaChão: a FabriquInvenção das CidadesSonhos

Com sua prosa poética deslizando sobre as estrelas de concreto das cidades, nosso colaborador especial Jota Erre escreve aqui sobre Lendas Inventadas, HQ de Lima Neto (membro fixo da Raio Laser) lançada em 2021 que conta, na forma de fábulas sócio-imaginativas, as histórias das regiões administrativas (cidades) do Distrito Federal, em estilos artísticos distintos, fugindo à banalidade do historicismo oficioso sobre a capital e seus arredores. (CIM).

por Jota Erre

O artista se aventura nessa pegada, nessas quebradas, na HQ Lendas Inventadas. Guardando a distância que os ônibus, baús do asfalto, mantêm da abstração corbusiana de Costa, Lima Neto devolve a potência criadora, humana por excelência, do que seria a formação mítica e poética que envolve o nascimento – e o crescimento – de uma cidade. Porque uma cidade cresce – caoticamente –, mas apenas – e principalmente – pelo fato de que o número de habitantes aumenta. E, aqui, habitantes, para o artista – e para o humano – sempre vai ser a expressão dominante sobre a expressão “número”.

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A fortaleza dos quadrinhos

por Pedro Brandt

Qualquer colecionador de quadrinhos que se preze frequenta – ou em algum momento da vida frequentou – bancas e livrarias que vendem revistas usadas. É nesses estabelecimentos, popularmente conhecidos como sebos, que o leitor tem a chance de encontrar não apenas aquele quadrinho há muito tempo procurado, mas também conhecer outros tantos que, não fosse a visita a esses locais, provavelmente jamais saberia da existência.

Em tempos de Internet, a compra de quadrinhos ficou muito mais fácil. Achar um gibi antigo, raro, ou mesmo a edição do mês anterior está ao alcance de alguns cliques. Mas num passado não muito distante, “garimpar” revistas nos sebos era a alternativa mais viável. Para não dizer a única. Não foram poucas as surpresas que encontrei nesses lugares, as pechinchas pagas, as trocas honestas.

Uma banca, em especial, tem lugar cativo na minha memória afetiva da pré-adolescência. Localizada na quadra 511 Sul (Brasília), entre uma loja de materiais de construção e uma tradicional loja de colchões, a Banca Fortaleza foi, durante muito tempo, uma das principais referências na cidade para se comprar e trocar revistas.

A Fortal, hoje

A Fortal, como eu e meus amigos a apelidamos, era dividida em três partes: do lado direito ficavam os livrinhos de romance tipo Sabrina, Julia, etc., do lado esquerdo, os quadrinhos e, ao fundo, as revistas de mulher pelada (muita Playboy, Sexy, a saudosa Ele & Ela e, eventualmente, até as vintage Homem e Status).

Eu estudava perto da Fortaleza e quando ia a pé ou de ônibus para a colégio era inevitável dar uma passada na banca. Naquela época, completar uma coleção era mais do que ler todas as histórias, era um investimento: ingenuamente, eu e meus amigos pensávamos que algum dia aquelas revistas, especialmente as coleções completas, valeriam uma pequena fortuna.

A Fortal era uma banca poeirenta, com pouca iluminação, e, geralmente, bagunçada. Vi baratas entre os gibis algumas vezes. Mera formalidade. Sujar as mãos é parte da garimpagem. O grande lance – pelo menos para mim sempre foi – era entrar ali sem saber o que poderia ser encontrado. A surpresa do tesouro é parte da graça. Foi assim, quase por acaso, que comprei uma edição encadernada de

Batman – O cavaleiro das trevas por módicos R$ 3. E por menos do que isso, incontáveis Heróis da TV, Super Aventuras Marvel, X-Men, Wolverine, Homem-Aranha, DC 2000, Liga da Justiça, Crypta, Ken Parker, Monstro do Pântano, Lobo Solitário, minisséries, edições especiais...

Não achar nada também era comum. Aliás, mais comum do que achar alguma coisa interessante.

Tive a sorte de começar a frequentar a Fortaleza antes de um “acontecimento” que mudaria a forma como o comércio de quadrinhos era praticado no Brasil até então: a chegada, em 1996, da versão brasileira da revista americana Wizard. Quem leu a revista, tanto a gringa, quanto a nacional, deve se lembrar que, além de entrevistas, matérias e resenhas sobre o universo dos quadrinhos, ela também publicava um guia de preços de revistas. Isso fez com que os sebos abrissem os olhos para um potencial até então desconhecido e aumentassem os preços. Isso numa época em que com R$ 10 você comprava pelo menos três revistas em quadrinhos novas.

O interior da Papil

À medida que fui conseguindo os quadrinhos que queria, o acervo da Fortaleza, só renovado sazonalmente (eles vendiam basicamente comics dos anos 80 e 90), foi me afastando de lá. 

Por anos, passei ali, de carro, e pensei em fazer uma visita. E foi numa dessas ocasiões que vi a banca fechada e... chamuscada. A Fortaleza tinha pegado fogo. Fiquei imaginando os super-heróis, as musas desnudas e as mocinhas românticas, todos apertados dentro daquela lata de sardinha gigantesca, desesperados enquanto o fogo consumia as páginas que habitavam. Teria sido um ato de vandalismo? Um acidente? Um incêndio proposital para conseguir o dinheiro do seguro? Ou a Fortaleza nunca pegou fogo e a banca em chamas foi apenas um sonho?

Não foi, como me confirmou Carlos, o homem atualmente por trás do balcão da Fortaleza, quando estive lá, este ano. Em março deste ano, fui até lá perguntar. A banca realmente pegou fogo – não se sabe a causa do incêndio – há alguns anos e ficou muito tempo fechada até reabrir. Carlos me contou que a Fortaleza é uma das bancas mais antigas de Brasília e foi “fundada” há quase 50 anos por seu pai, Seu Antônio, falecido recentemente. A Fortaleza pós-incêndio é igual à sua versão anterior. Provavelmente, mais bagunçada.

A Papil, hoje

Perto dali, mais especificamente na quadra 512 Sul, encontra-se uma outra banca de usados. O vendedor, Romeu, é o mesmo cara que trabalhava na Fortaleza das antigas, da época em que eu a frequentava. Resolvi puxar conversa. Ele me explicou que é dono da Papil, como se chama a banca dele. A Papil tem poucos quadrinhos. Curiosamente, também tem pouco de seu antigo carro-chefe, as revistas de mulher pelada. Tem sim, um pouco de tudo, entre livros, revistas de todos os tipos, DVDs e também discos de vinil. Bagunçada, claro. Mas os preços, ainda bastante convidativos. Procurei, mas não achei nada que eu quisesse. Como tantas outras vezes ali (ou quase ali). Saí de mãos abanando. Por um instante, tive 13 anos outras vez.

Romeu@Papil