Gibiteca TT Catalão: nova era, em busca do tempo perdido

por Pedro Brandt

foto do banner por Joel Rodrigues / Agência Brasília

No dia em que Brasília completa 62 anos, 21 de abril de 2022, a gibiteca do Espaço Cultural Renato Russo, no bloco A da quadra na 508 Sul, volta a estar disponível para a população. Às vésperas dessa data, em 19 de abril, estive por lá, por conta da estreia de uma exposição composta por ilustrações feitas por antigos frequentadores da gibiteca. Na ocasião, foi inevitável me sentir nostálgico ao encontrar tantos amigos e conhecidos e relembrar quando, mais de duas décadas atrás, nos conhecemos por lá.

Foi ali, em meados da adolescência, que se escancararam para mim as cortinas do universo das histórias em quadrinhos. E não apenas: artes plásticas, cinema, música, política, cultura pop, contracultura... vivenciei um pouco de muito. Não é exagero afirmar que o Espaço Cultural da 508 Sul (na época, o nome do vocalista da Legião Urbana ainda não estava associado ao local, mas à quadra onde está localizado) foi mais que um ponto de encontro e um disseminador de cultura, mas de fato um catalisador essencial para muitas iniciativas que surgiriam por conta de sua vasta programação.

Gibiteca TT Catalão, no Espaço Cultural Renato Russo (Brasília) - Foto por Joel Rodrigues (Agência Brasília)

Em tempos pré-internet, quem quisesse conhecer de quadrinhos precisaria, necessariamente, visitar com regularidade bancas de revistas, livrarias, sebos e, claro, o Espaço Cultural. Como relatado no documentário sobre os 10 anos de Raio Laser, foi lá que conheci Marcos Maciel de Almeida que, em 1996, fundaria a Kingdom Comics, primeira loja especializada em quadrinhos de Brasília. Além de frequentar a gibiteca, eu também participava das aulas de desenho do saudoso professor Mario Maciel, o popular Marel (falecido em 2009), e foi nelas que conheci muitos desenhistas talentosos, alguns hoje profissionais da área de quadrinhos e ilustração, caso de Gabriel Góes.

Inaugurada em 1993, a gibiteca, inicialmente, ficava no segundo andar do Espaço Cultural, em uma sala de vidro. As paredes eram adornadas com pôsteres – aquele do velório do Super-Homem, com super-heróis carregando seu caixão, é o primeiro que me vem à cabeça. O acervo continha basicamente os gibis das editoras Abril e Globo lançados nas décadas de 1980 e 1990 (edições especiais, minisséries e séries completas ou quase), mas também era possível encontrar coisas mais antigas e diversos títulos estrangeiros, em inglês, francês, espanhol, português de Portugal e até japonês (mangás da grossura de listas telefônicas).

Lá pelas tantas, ainda nos anos 1990, a gibiteca saiu da sala de vidro – para dar lugar a uma pouco frequentada biblioteca de livros de arte – e foi realocada no mezanino do térreo do Espaço Cultural. Ainda que recebesse eventuais doações para aumentar seu acervo, com o tempo, percebi que a gibiteca havia estagnado. Não era apenas isso: eu tinha lido ali aquilo que me interessava e não frequentava mais, aos sábados, as aulas do Marel, sempre uma boa desculpa para dar um pulinho na gibiteca. Enfim, os tempos, para mim, eram outros.

Gibiteca TT Catalão (detalhe) - Foto por Pedro Brandt

Do mezanino, os quadrinhos foram para outros locais do Espaço Cultural. Em 2011, preparando uma matéria para o jornal Correio Braziliense sobre as gibitecas de Brasília, descobri que as HQs haviam sido compactadas em uma pequena sala, quase escondida, no segundo andar. Numa rápida conferida, percebi não só uma atualização, mas um engordamento considerável do acervo, especialmente de mangás. O que também confirmei, pessoalmente, fazendo a apuração para a referida matéria (que contou com ilustração do grande Caio Gomez), é que as gibitecas, então uma novidade em meados dos anos 1990, se tornaram um espaço inevitável em bibliotecas públicas e centros de ensino de idiomas.

Em 2013, por conta da reforma do Espaço Cultural, a gibiteca foi desmontada e os quadrinhos encaixotados e levados para um depósito, onde permaneceram guardados até os preparativos para sua reinauguração em 2022. A nova gibiteca recebeu o nome do jornalista e escritor TT Catalão, uma homenagem mais do que justa a uma figura importantíssima para a vida cultural em Brasília, falecido em 2020, aos 71 anos. Boa parte dos quadrinhos da antiga gibiteca pertenciam a ele, que os emprestou em esquema de comodato (ou seja, por um período determinado, para posterior devolução). Não fosse TT ter compartilhado sua coleção, eu não teria tido a oportunidade de conhecer muito quadrinhos incríveis, nem de ter visto, em outubro de 1997, o belga François Schuiten fazendo um desenho na página de guarda de uma edição de Metamorphoses – Aux médianes de Cymbiola, naquele momento, parte do acervo da gibiteca. Como relatado no texto “Brasília 60 anos – Aparições de um Imaginário em quadrinhos”, Schuiten e seu principal parceiro nos quadrinhos, o roteirista francês Benoît Peeters, ambos apaixonados por arquitetura, fizeram uma rápida visita à capital brasileira depois de sua participação na 3ª Bienal Internacional de Quadrinhos, em Belo Horizonte.

TT Catalão - Foto: acervo Nanan Catalão

A nova gibiteca do Espaço Cultural Renato Russo tem aproximadamente 23 mil títulos, entre quadrinhos de super-heróis, mangás, HQs infantis, periódicos e, em quantidade bem menor, graphic novels. Raimundo Lima Neto pintou um belo mural no local, e telas assinadas pelo veterano Jô Oliveira, anteriormente parte da decoração da desistalada gibiteca da Biblioteca Demonstrativa, agora também estão lá. Só posso desejar, depois de tantos anos desmontada, que a gibiteca recupere esse tempo perdido e que encante novos frequentadores como encantou a mim na adolescência – e que a sua existência, mais uma vez, incentive novas realizações artísticas e culturais e iniciativas empreendedoras.

Mural da gibiteca - Foto por Pedro Brandt

Jô Oliveira - Foto por Jaqueline Dias

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GIBITECA TT CATALÃO

Localizada no Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul, bloco A, Brasília-DF).

Horário de funcionamento: de terça a sexta-feira, de 10h às 20h; sábado, das 13h às 19h. Acesso livre.

Gibiteca TT Catalão, no Espaço Cultural Renato Russo (Brasília) - Foto por Joel Rodrigues (Agência Brasília)