Os Campeões: Heróis que merecem o ostracismo
/por Marcos Maciel de Almeida
Homem de Gelo. Anjo. Viúva Negra. Motoqueiro Fantasma. Hércules. Difícil de acreditar, mas este cinco personagens já formaram um supergrupo. E sim, tiveram uma revista regular, com duração curtíssima (17 edições). Foi uma aposta da Marvel numa época em que a Casa das Ideias estava atirando para tudo quanto é lado: lançaram gibi do Kull, dos Invasores, dos Inumanos. E – no que se refere ao supergrupo objeto desta análise – deu tudo muito errado.
Meu primeiro contato com os Campeões se deu na revista Heróis da TV 19 da Editora Abril, de 1981. Ainda me lembro de ter estranhado o fato de heróis tão nada a ver estarem lutando lado a lado. Mas bem, a arte era do John Byrne e eu era apenas fanboy inocente, que só queria ler meu gibizinho sem maiores preocupações. O tempo foi passando, mas volta e meia batia uma vontade de querer saber mais sobre aquela equipe esquisita e disfuncional. Bem, fui atrás e consegui ler todas as publicações do grupo, compiladas em dois encadernados importados: Champions Classic Vols 1 e 2 (2006-7).
A leitura serviu para confirmar o que eu já suspeitava. Tratava-se de um título bizarro que parecia ter sido lançado somente para dar casa – e quem sabe gerar um troco – a personagens com os quais não se sabia muito bem o que fazer. Vejamos: o Homem de Gelo e o Anjo haviam deixado os X-men, que naquele mesmo ano (1975) haviam renascido para o sucesso com o lançamento da lendária Giant-Size X-men número 1 da dupla Len Wein e Dave Cockrum. A Viúva Negra e o Hércules eram ex- Vingadores que estavam inutilizados. Já o Motoqueiro Fantasma... Bem, o Motoqueiro é aquela coisa: um personagem com visual interessante que nunca conseguiu empolgar ninguém. E não seria com os Campeões que a história seria diferente.
Maldita foi a hora em que Tony Isabella e Don Heck resolveram criar essa equipe, um verdadeiro “catadão” de heróis que nunca deu (ops!) liga. A intenção de juntar personagens sem nenhuma conexão pode ter parecido ousada e interessante na época, mas não foi desta vez que a Marvel surfaria na onda de mais uma superequipe. Desde o começo, o gibi sofreu com a falta de um direcionamento claro. Também, pudera. A motivação para a formação da equipe foi algo totalmente artificial, como sói acontecer no universo dos comics, mas desta feita de maneira particularmente sem sal.
Por uma grande coincidência do destino, todos estavam no mesmo local quando um vilão mequetrefe resolve atacar. Resolvido o problema, eles decidem, sem mais nem menos, se unir sob o pretexto de que o homem comum precisa de “Campeões” nos quais se inspirar. Reconheço que a formação de supergrupos nunca foi baluarte da verossimilhança, mas este gibi pegou pesado no quesito forçação de barra.
E esse vício insanável de origem refletiu-se em enredos desconexos, tão livres, leves e soltos quanto um hippie viajando pra São Francisco. Nas primeiras histórias, por exemplo, há uma tentativa de usar histórias e personagens clássicos da mitologia, como Hades e Hipólita, usando como óbvio gancho a presença de Hércules. No segundo arco, entretanto, os autores partem para uma abordagem mais “down to earth” e criam um personagem que simboliza a crise econômica dos meados dos anos de 1970. É, meu caro amigo, o colapso do sistema de Bretton Woods (1971) e o choque do petróleo de 1973 geraram recessão e desemprego, mas esses não foram os únicos efeitos nefastos. Houve também o surgimento de Rampage, o vilão filho da crise econômica. Segundo o bordão utilizado por seus criadores, ele poderia ser eu ou você, num momento de aperto financeiro.
Vencido o bandido com dívidas no cheque especial, o gibi seguiu sua jornada inexorável rumo ao limbo, criando para si uma galeria de vilões patética. Eis que aparecem personagens de dar dó, como o Grifo (que, tempos depois, viraria montaria(!) para o Namor na fase do Byrne), Enxame e Metalóide. Este último conseguiu a façanha de enfrentar os Campeões no mano a mano e aguentar a parada por duas edições consecutivas. Tô mentindo não. Os Campeões quase levaram um cacete. Do Metalóide. M-e-t-a-l-ó-i-d-e.
Outra razão para o fracasso do gibi foi a constante troca de equipe criativas. Nada menos que doze combinações de escritor/desenhista/arte-finalista passaram pelo título nos seus 17 números. E aí, meu caro, fica difícil de conseguir manter um mínimo de consistência.
A consequência disso foi uma série de plotlines mal resolvidos ou simplesmente abandonados. Exemplos não faltam. A cada duas páginas o Homem de Gelo dizia que sairia do grupo depois que ele estivesse andando sozinho, mas fica só na ameça. O princípio de atração entre Hércules e Viúva Negra também não chegou a lugar algum. Por fim, há ainda a relação de antipatia mútua entre o Motoqueiro Fantasma e os demais membros do grupo, que nunca chega a ser devidamente explorada. E o pobre do motociclista fica o tempo todo se lamentando que não queria fazer parte da equipe. Eu te entendo, Johnny Blaze.
O gibi é tão fraco que não consegue sequer chegar no patamar “é tão ruim que é bom”. É apenas ruim mesmo. Sequer a inclusão de personagens lado B como Golias Negro e Estrela Negra conseguiu conferir um clima brega trash que daria uma animada na trama. Justiça seja feita, quando Bill Mantlo assume os roteiros a coisa dá uma melhorada.
Caso seja possível dizer que existe um auge para o gibi, seria quando um certo John Byrne em início de carreira assumiu o lápis. Os quatro ou cinco gibis que ele desenhou estão supimba de bons, com aquela “densidade e profundeza redodinha” que só ele sabia dar. Outro aspecto positivo é a sensação perene de “despertar da inocência” ou “fim da infância”, chame como quiser. São histórias sonsas e descartáveis, mas que já alertavam para a progressiva redução de oportunidades econômicas para o americano médio e para a necessidade de maior protagonismo feminino. Sim. Embora fosse a única mulher, a Viúva Negra era a líder dos marmanjos.
O término do gibi foi melancólico. Acabou sendo cancelado sem ao menos uma conclusão. Para poder permitir que os autopropalados “heróis do homem comum” descansassem em paz com ao menos um epílogo, tiveram de colocá-los na revista Peter Parker: The Spectacular Spider-Man para que a Extrema Unção pudesse ser entregue.
Estou entre aqueles que defendem que não existem personagens ruins, mas sim mal aproveitados. E esses pobres diabos só precisavam do olhar carinhoso de um escritor de talento para conseguir seu lugar ao sol. Se isso for verdade, pode-se dizer que, no fim das contas, são os Campeões – e não o homem comum – que precisam de um campeão.