Um Drácula de Mignola
/por Márcio Jr.
Se em 1992 a recepção da crítica para Drácula de Bram Stoker foi ambígua, passado mais de um quarto de século a película de Francis Ford Coppola adquiriu status de filme de culto. Não é para menos. Abrindo mão de quaisquer efeitos especiais computadorizados, a obra é uma homenagem aos primórdios do cinema, com seus jogos de espelhos, trucagens analógicas e direção de arte embasbacante. Hoje, a iconografia do longa divide o imaginário do público com as versões do Príncipe dos Vampiros encarnadas por Bela Lugosi e Christopher Lee. Atestado inconteste da potência visionária de Coppola.
Aproveitando o lançamento do longa, a Topps Comics rapidamente colocou em produção uma adaptação em quadrinhos, reunindo uma equipe de primeira linha. No roteiro, ninguém menos que o veterano Roy Thomas. E na arte, um astro em franca ascensão: Mike Mignola. Completando o time, John Nyberg (arte-final) e Mark Chiarello (cores). Publicada como uma minissérie em 4 edições, a HQ logo saiu de catálogo, tornando-se, ela também, um objeto de culto. Somente em 2018 a série foi reunida em luxuosa edição pela IDW Publishing, ganhando versão nacional pela Mino.
Roy Thomas é uma legenda dos quadrinhos norte-americanos. Seu trabalho mais emblemático é a versão Marvel para Conan, o Bárbaro, personagem do escritor Robert E. Howard. Ali, o texto de Thomas era adequadamente rebuscado e prolixo. Em Drácula, adota abordagem radicalmente oposta – e acertada. Mais que o acento literário, contam aqui o fluxo narrativo e a fidelidade ao roteiro cinematográfico, abrindo espaço para o brilho de uma única estrela: Mike Mignola.
Imediatamente anterior à criação de Hellboy – personagem que iria conduzi-lo ao topo dos comics –, Drácula apresenta um artista maduro e preparado para o avassalador sucesso vindouro. A tão decantada mistura entre Jack Kirby e expressionismo alemão se deslinda perfeitamente resolvida na HQ. E ponto para a rigorosa arte-final de Nyberg, que respeita ao máximo o traço de Mignola.
Mas há, em Drácula, algo raro na carreira do quadrinista. Mike Mignola é conhecido e reverenciado pela inconfundível estilização de seu desenho. É, portanto, impressionante ver como – sem abrir mão desta característica fundante em seu trabalho – ele torna imediatamente reconhecíveis os rostos de Gary Oldman, Anthony Hopkins, Keanu Reeves e Winona Ryder. Um precioso uso de referências fotográficas que sequer passa próximo do usual risco de se tornar refém delas. Vale lembrar que Mignola fez parte da equipe responsável pelo desenho de produção do filme, ao lado da legenda Jim Steranko.
A luxuosa edição da Mino, em formato avantajado, opta por uma versão em preto e branco da HQ. Há vantagens e desvantagens nesta escolha. Se por um lado ela ressalta a força do uso expressionista do nanquim (sobre o lápis) de Mignola, por outro abre mão dos efeitos narrativos da sóbria (e bela) colorização de Mark Chiarello.
Adaptações de filmes para quadrinhos raramente são mais que caça-níqueis mercadológicos. Drácula de Bram Stoker é uma honrosa exceção. Apesar da fidelidade ao filme – que por sua vez é das versões mais fiéis ao romance original – o desenhista conseguiu imprimir sua assinatura de forma indelével. Este Drácula não é de Coppola ou de Stoker. Ele é, indiscutivelmente, de Mike Mignola.
A versão colorida por Chiarello
E a versão publicada pela Mino