Aura de Eisner
/Estive em São Paulo recentemente, mas a passagem foi muito curta (apenas uma segunda-feira, praticamente). Logo após sair de um importante compromisso, queria voar até o Centro Cultural São Paulo para ver esta exuberante exposição de Will Eisner e escrever algo aqui para a RL. Bem, segunda-feira os museus fecham e fiquei na mão. Ainda bem que essa figura de impressionante solidez intelectual e artística que é Lima Neto foi e executou, com primor, a minha intenção, para a página da Kingdom Comics. Ele liberou o texto pra gente. Salve! De minha parte, apenas uma modesta contribuição: estou disponibilizando o arquivo de power point (aqui!) sobre Will Eisner que usei para aulas de História e narrativa de Quadrinhos na Universidade de Brasília (Valeu Lima! - CIM).
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por Lima Neto
fotos de Rafael Felix
Se você é assíduo leitor deste blog já deve saber do que é feito uma boa História em Quadrinhos. Aquela mistura mágica entre narrativa gráfica e ou texto, uma arte fluida e convincente e aquela habilidade cada vez mais rara de saber como contar uma história. Se esta definição lhe traz o nome de Will Eisner à mente, então você precisa ir urgentemente à exposição “O espírito vivo de Will Eisner” que está rolando no Espaço Cultural São Paulo, ou torcer para que ela visite sua cidade. Mas, para apreciar a beleza desta exposição é preciso que deixemos todas essas qualidades citadas acima de lado, o tipo de magia que se pode experimentar na mostra é de um tipo bem diferente e secular.
E o que isto tem a ver com a exposição “O espírito vivo de Will Eisner”? Ao entrar na galeria, previamente sinalizada com dezenas de banners com imagens clássicas de Graphic Novels de Eisner e de seu mais famoso personagem, o Spirit, pode-se perceber que se você quer ler um bom quadrinho, o melhor lugar é na sua casa sentando confortavelmente acompanhando de uma boa xícara de café. O que está sendo mostrado na galeria montada na Gibiteca Henfil no Centro Cultural São Paulo, mesmo sendo páginas de HQ, exala uma qualidade única, tocante, fantasmagórica e poderosíssima – uma aura, digna das pinturas mais clássicas da história da arte!
Porém, nem esta narração da mostra, tampouco as fotos abaixo, são capazes de expressar o forte sentimento que pode se sentir ao observar a belíssima exposição. Ao olhar atentamente as artes originais, apreciar os traços firmes e expressivos, observar as camadas de nanquim e a maneira precisa com que se acumulam e se dispersam dando vida às sombras dos cortiços da Nova Yorque de Eisner e a saborosa ilusão causada pelas pinceladas de branco contrastando com os tons escuros, pode-se desconstruir os desenhos, refazendo cada passo em um processo impressionante que nos leva ao lápis, do lápis à folha em branco, e da folha em branco diretamente para dentro da cabeça deste que foi um dos maiores gênios do século XX. Neste momento abro mão da impessoalidade do texto jornalístico para escrever aqui um relato sincero. Nos mais de 10 anos estudando arte, e dos 30 anos em contato com quadrinhos, nunca pude me deparar com o fenômeno da aura artística. A razão é óbvia. Nunca tendo visto uma obra clássica do calibre de um Velásquez, por exemplo, de perto, nunca pude experimentar esta sensação atemporal de desconstrução que pode nos transportar à presença quase tangível do artista. Se as histórias em quadrinhos, como uma mídia do século XX, não gera tal sensação, ou gera um outro tipo de sensação específica que ainda carece de estudos mais aprofundados, a obra viva de Eisner transborda desse sentir. A cada painel, cada pincelada, cada estratégia percebida para compor as páginas de seu quadrinho, podemos sentir, como que olhando por cima de nossos ombros, a presença de Eisner.
Termino parabenizando a equipe responsável pela mostra (especialmente o belíssimo trabalho de iluminação de Marisa Furtado e Tadeu), pois através dela pude realmente descobrir e experimentar o que é a Aura artística de Benjamim, ainda mais emanando de uma exposição que, embora não sendo uma história em quadrinho em si, expõe o seu corpo irreprodutível. Se, ao ler uma Graphic Novel de Eisner, podemos experimentar o seu pensamento, sua filosofia, sua maneira de ver o mundo, ao ver seu traço exposto, seu trabalho braçal de desenho, podemos sentir uma corporeidade fantasmagórica. Como olhar para um corpo, mas não um corpo morto, sem vida. E sim um corpo vivo, ativo e animado pelo encontro dinâmico do observador com a obra. Se algum quadrinho de Eisner já lhe tocou em algum momento, caro leitor, então arranje um jeito de ver esta exposição!
Confira abaixo as fotos da cobertura exclusiva Kingdom Comics (a agora Raio Laser!) e também um vídeo feito pelo mestre Evandro, do blog Esfolando, onde o dono da maioria do acervo da exposição, Denis Kitchen - da editora Kitchen Sink, faz um tour especial pela versão carioca da mostra que rolou na Rio Comicon!
A mostra está ficará em São Paulo até 18 de Dezembro, então ainda dá tempo de conferir! (Valeu James!)