LASERCAST #55: QUADRINHOS VERMELHOS

LASERCAST #55: QUADRINHOS VERMELHOS

O Lasercast de número 55 aborda exemplos de como o espectro político de esquerda foi representado em histórias em quadrinhos. A proposta do episódio é comentar mais do que HQs biográficas sobre personalidades ligadas à esquerda no campo político, mas como essa linha de pensamento, intencionalmente ou não, reverberou em autores e obras.

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Demolidor de bronze

por Márcio Jr.

Mark Waid e Chris Samnee fizeram meu Demolidor nº 3.

Frank Miller e o trio Ann Nocenti, John Romita Jr. e Al Williamson (um deus dos quadrinhos, brilhando na arte-final mais linda e delicada que já entintou JRJR) ocupam, respectivamente, os dois primeiros lugares desse pódio particular. Melhor gibi de super-herói dos últimos tempos. Disparado. Justamente por não ser pretensioso. Talento de sobra, a técnica na palma da mão. O resultado não poderia ser outro.

Poderia acompanhar a série anos a fio, apenas saboreando as idas e vindas da vida do Matt Murdock de Mark Waid. Mas acabou. No Brasil, foram 11 volumes. Tá de bom tamanho.

Impressionante como ao longo de todo este tempo o roteirista manteve o título em um nível muito alto, sem apelar a nenhum tipo de jogo fácil. Nenhuma morte ou reinvenção descabida do personagem. Nenhum truque barato pra pegar o velho e cordato nerd. Só o cuidado com a qualidade das histórias, diálogo direto com o leitor. Diversão de primeira. Tudo que eu espero de uma HQ de super-herói.

E pensar que ali pelos anos 70, a esmagadora maioria dos gibis da Marvel era deste nível.

Samnee não foi o único desenhista da série. A coisa começou com Paolo Rivera, passando pelo grande Marcos Martin – ambos especializados em visual vintage, narrativa clássica. Coisa fina. Mas foi Samnee que levou o barco mais adiante.

Os gibis de super-heróis atuais navegam a onda do hiper-realismo gráfico. O cara desenha até a costura da cueca. Dá-lhe hachura. Tudo parecido, duro, sem inventividade – salvo raras exceções.

Samnee é contemporâneo, sem virar as costas para o passado. Seu desenho é elegante e sempre bem resolvido. E o mais importante, não está preocupado em desenhar tudo presente na cena, mas sim em representar o que lá acontece. Manda muito bem em sequências de ação, com coreografias supimpa. E também nas cenas de diálogo, de encontros entre personagens humanos, sem uniformes de super-herói. Chris Samnee tem um senso de direção de atores que potencializa o texto invariavelmente inspirado de Mark Waid. É isso que um gibi de super-herói tem que ser: inteligente, criativo, instigante e divertido. Imaginação correndo solta. Menos que isso, não vale nada.

Muito foi dito sobre a cena do beijo que dá início à série. Café pequeno. Tampouco que Demolidor seja um série “leve e alegre como nos velhos tempos” ou algo que o valha. Porra nenhuma. O Demolidor de Waid só não é soturno e pretensioso como o de Miller. As tramas são complexas e incrivelmente bem desenvolvidas pelo roteirista. Uma narrativa dinâmica atravessa gibi após gibi. Alex Toth e Jordi Bernet, responsáveis pelo clássico Torpedo 1936, estão na fonte. Samnee dando um show de design na maioria das capas. Por mim, vai pro trono.

Quadrinhos ou romances gráficos?


Quem debuta por aqui hoje é, com enorme satisfação (nossa), o Thomaz Simões, professor de História da Arte, altamente qualificado, e que mesmo assim escreveu a mais surpreendente crônica sobre os quadrinhos... E ele se apresenta:

Hoje professor, foi graças aos quadrinhos que acabei tomando gosto por desenho e leitura. Me formei arquiteto, fiz mestrado em História da Cultura, em breve começo um doutorado em Antropologia Social... Um dia, em algum lugar, me encontro (espero que tenha quadrinhos por lá).

por Thomaz Simões

“Romance gráfico”?... Fico na dúvida se respondo – monossilabicamente, ou melhor, quadrinisticamente – : “sei não” ou “putz!”...

Sei que deveria ficar feliz com esse reconhecimento dos quadrinhos como Arte, mas... sei não. É que no fundo não ligo. Isso vem lá da minha adolescência e, por isso mesmo, é digno de nota: perdido, “sem pai nem mãe” no tiroteio da fase, consumia, colecionava, quilos de “gibis” sem peso na consciência de estar sendo infantil...

Certa vez, para a incredulidade do meu pai, pedi que enviasse uma carta com “perguntas ao editor”, dúvidas sobre detalhes quase insignificantes detectados no meio das histórias (vinham muitas vezes de notas de rodapé – marcadas com asterisco – com referências a números ou personagens antigos), resumindo: qualquer sombra de cultura quadrinística que me faltasse eu ia atrás.
           
Pleno sol de subúrbio carioca, lá ia eu me embrenhar em sebos, quero dizer, bancas velhas e falidas (que, para mim, desempenhavam a mais nobre das funções sociais) procurando os números perdidos. Demolidores de Miller e Mazzucchelli, Ligas da Justiça de Giffen-DeMatteis-Maguire (depois Hughes), Justiceiros de Potts e Lee... Bons tempos.


Pois bem, plena adolescência... de onde vinha toda essa segurança? (Olha que eu era dos mais tímidos, daqueles que dava graças a Deus por ter alguns poucos amigos que aceitavam, ou não percebiam, minhas esquisitices.) A resposta só deve surpreender a quem não é do meio: ora, vinha dos próprios quadrinhos! Eles valiam a pena. Eram a melhor coisa que havia.
           
Meus heróis, vejam bem, não eram exatamente os personagens a ou b, mas os personagens a ou b escritos e desenhados por x e y. Eram sensacionais. (Imaginem minha satisfação quando, tempos depois, encontrei uma história do Ken Parker em que aparecem Berardi e Milazzo. Simplesmente genial.)


Vamos colocar as coisas nos seguintes termos: se havia muitos que ridicularizavam os quadrinhos, o problema para mim não era o que eles achavam dos quadrinhos, e sim o que os quadrinhos achariam deles. Aqui retomo meu ponto inicial: “Romance gráfico”? Putz!

No meu tempo graphic novel denotava simplesmente trabalhos esporádicos, mais cuidadosos e, sobretudo, mais caros. Eram uma festa para olhos acostumados a papel jornal, mas de forma alguma outro patamar de qualidade. Afinal eram os mesmos autores, apenas, vamos dizer, mais maquiados. Vem daí minha desconfiança. Os quadrinhos nunca precisaram desse tipo de reconhecimento, ou mesmo, arrisco dizer, sempre desdenharam dessa tendência esnobe. Sua “arte” surge em meio a um turbilhão de aventuras repetitivas, anestésicas, após muito suor inútil, – como que por acaso.


E para quem costuma opor quadrinhos à “alta cultura”, deixo aqui o registro de uma aventura da LJA na Rússia (antiga União Soviética...): Sobrevoando aquelas paisagens brancas sem fim, rumo ao combate contra um trio de extraterrestres (que, pacifisticamente, queria salvar a Terra das armas atômicas), o sátiro Besouro Azul comenta com Canário Negro:

– Já leu Os Irmãos Karamázov?
– Duas vezes.
– Eu três...  BOOM! (A nave é interceptada.)

Nem preciso dizer que só depois disso me interessei por Dostoiévski. 

Uma mulher sem medo e as contradições de Frank Miller

por Pedro Brandt

Já foi mais fácil gostar de Frank Miller. Primeiramente porque seus quadrinhos já foram muito melhores. E, segundo, porque sua pessoa pública, ao menos no passado, parecia mais simpática. E mais coerente. Para alguém que se disse desiludido com Hollywood depois da experiência traumática que foi escrever o roteiro de Robocop II, Miller não parece ter se importado com princípios quando fez sua horrenda adaptação cinematográfica do Spirit – personagem de seu velho amigo Will Eisner que, morto em 2005, não teve o desgosto de ver sua criação massacrada na tela de cinema.

Recentemente, o americano escreveu em seu blog sobre o movimento Occupy. O teor do texto é tão reacionário que cabe a pergunta se Miller realmente pensa aquilo tudo ou se suas palavras apenas expressam a frustração do artista com as críticas negativas recebidas por seu mais novo trabalho, Holy terror.

O no mínimo controverso Holy Terror

O rancor do discurso de Miller parece ir de encontro a muitas coisas pelas quais ele já lutou e defendeu. Existe uma pouco lembrada HQ dele lançada pela Dark Horse em 1997 chamada Tales to Offend, uma provocação ao Comics Code Authority, o famoso selo que regulava o conteúdo que poderia ser publicado em um quadrinho americano mainstream. Em Tales, FM apresenta uma história do universo de Sin City (Daddy’s little girl, publicada no Brasil em 2001 em uma one show, da editora Pandora) e duas histórias do anti-herói Lance Blastoof, um mercador da morte que viaja pela galáxia fazendo negócios escusos, nunca se preocupando com quaisquer consequências. O engraçado é que no último quadro da última história, Blastoff diz ao leitor “Nunca deixe o Sr. Oportunidade passar por vocês, crianças!”

O mais legal disso tudo é que o texto de Frank Miller sobre o Occupy acabou repercutindo bastante, fazendo com que outros profissionais dos quadrinhos se manifestassem sobre o assunto – o que acabou gerando a circulação desse tema entre o público leitor de quadrinhos.

A roteirista Ann Nocenti, por exemplo, escreveu um texto no qual expressa sua opinião sobre o Occupy. Uma visão, aliás, totalmente oposta à de Miller. O texto pode ser lido no site Bleeding Coole é, na verdade, apenas um trecho de uma entrevista maior (ainda não publicada na íntegra) na qual ela fala de vários assuntos, entre eles o Occupy e seu futuro trabalho na revista Green Arrow (Arqueiro Verde).

Parte do discurso de Ann segue abaixo:

Ann Nocenti

“Muitas pessoas têm problemas para entender o movimento Occupy porque ele é algo muito novo. É descentralizado. Não é um movimento de ‘protesto’. É amorfo, como a Internet. É, de certa forma, um estilo de vida. É apoiado por trabalhadores sindicalizados, policiais simpáticos à causa, idosos, ricos, pobres, a direita, a esquerda... e, cada vez mais, até pelo ‘1%’. Ele cruza todas as linhas de classe, raça, gênero e política. É claro que as rádios de direita estão cheia desses descrições do Occupy – ‘crianças mimadas, bufões, ralé’, etc. – porque as pessoas temem o que não entendem".

Para Ann, o Occupy não significa estar vendado, mas tomar o controle da própria vida: “Que algo está errado com este país é inegável. Que os alunos se graduem em direito com uma enorme dívida e ainda assim não possam conseguir um emprego é simplesmente errado. Que bons planos de saúde só possam ser comprados pelos ricos é simplesmente errado. Que despejar dinheiro em guerras que não podemos ‘ganhar’ é simplesmente errado. Passei um tempo no país da al-Qaeda. Dólares abastecem tudo; acabam até financiamento quartéis do Talibã. Winston Churchill disse há muito tempo que ‘olhos ocidentais nunca vão entender os caminhos da cultura tribal’. A Guerra às Drogas (*o programa do governo americano War on Drugs), a última e inútil ‘guerra’ que levou nosso país à falência, foi recentemente declarada um fracasso absoluto.

“É muito fácil e preguiçoso demais apenas criticar o que o movimento Occupy está fazendo. É muito mais difícil apoiar e tentar entender que este é um símbolo de uma natural mudança radical em nossa sociedade”.

Mulher sem medo

Talvez os leitores estejam se perguntando “quem diabos é Ann Nocenti?”. Não lembro de nenhum trabalho dela recente (até porque, segundo o próprio Bleeding Cool, ela passou os últimos anos mais próxima de projetos sociais do que dos quadrinhos), mas algumas das HQ escritas pela americana têm lugar cativo na minha memória afetiva.

Uma delas, inclusive, faz de certa forma um link com esse assunto do Occupy. É a edição de número 252 da revista Daredevil, publicada nos Estados Unidos em 1987 e no Brasil em 1989, dentro da edição 82 de Superaventuras Marvel. Detalhe curioso: o gibi em questão tem 66 páginas e duas histórias, ambas com roteiro de Nocenti, a do Demolidor e uma protagonizada por Longshot, personagem criado por ela (e idealizado visualmente por Arthur Adams). Imagino que isso tenha sido uma coincidência. Mas gosto de pensar que foi uma espécie de homenagem da equipe de quadrinhos da Editora Abril ao trabalho de Ann Nocenti – que naquela época fazia um baita sucesso com o Homem Sem Medo ao lado do desenhista John Romita Jr. (e não esqueçamos do veterano Al Williamson, responsável pela arte final).

Outra curiosidade: a edição original, americana, fazia parte de uma saga chamada Queda dos mutantes, que, em 1989, ainda não tinha chegado ao Brasil. Por isso, as referências à saga (como uma breve aparição do Arcanjo) não aparecem em Superaventuras Marvel 82.

A ilustração da capa – com o Demolidor em plena ação, no alto de uma pilha de corpos desfalecidos (uma referência às famosas pinups de Frank Frazetta) - e as chamadas “Blecaute em Nova Iorque!” e “Caos nas ruas!” dão uma indicação do que é a história. Intitulada Ataque, a trama apresenta Matt Murdock (advogado cego, alterego do Demolidor) guiando uma comunidade carente da Cozinha do Inferno (o bairro onde ele cresceu) até um hospital em uma noite sem luz em Nova York. Já com o uniforme do Demolidor, o herói e a Viúva Negra partem para as ruas para tentar controlar o tumulto e, especialmente, os arruaceiros mais perigosos.

Ao medo das pessoas do escuro somam-se outros temores. Em tempos de Guerra Fria, um bombardeio nuclear talvez fosse o maior deles. Como seria o mundo em meio aos destroços, sem lei e ordem? Balaço, integrante da galeria de inimigos do Demolidor, sabe que seria a situação ideal para causar o caos e fazer valer a lei da violência. “Em breve a cidade estará a nossos pés”, acredita o vilão.

Tal qual Will Eisner nas histórias do Spirit, Nocenti preenche a sua com personagens coadjuvantes que ajudam a contextualizar o cenário e, claro, contar outros dramas além daqueles dos heróis. Caim, por exemplo, é um adolescente confuso, dividido entre seguir os passos de Matt Murdock ou uma vida marginal. Enquanto isso, um presidiário anônimo (sem ligação com o restante da história) escapa da delegacia mas revê suas posições quando encontra um bebê abandonado em uma lata de lixo.

Sejam eles coadjuvantes ou protagonistas, os personagens são embebidos de humanidade pela roteirista. Até o Demolidor chega a perder a paciência e passar uma descompostura em Caim.  No fundo de uma história cheia de ação, tensão, drama e paranoia, Ann Nocenti encontra espaço para mostrar o lado mais iluminado do ser humano, aquele que, em meio às adversidades, busca um objetivo maior, coletivo e solidário.

"Approved by the Comics Code Authority"

Arquiteto de papel


por Pedro Brandt


Usado sem critério, o termo graphic novel está sendo banalizado no Brasil. Hoje, qualquer publicação com uma história completa está ganhando a chancela de graphic novel, sem necessariamente o ser. O fato de a trama se resolver até a última página — em contraposição, por exemplo, às revistas em quadrinhos mensais, com histórias continuando na edição seguinte sem previsão para chegar ao fim — não é o suficiente para classificar uma história em quadrinhos como graphic novel.

Isso acontece pelo fato de o termo não ter critérios tão estritamente definidos. Em resumo, uma graphic novel é um romance (o gênero literário) narrado com o auxílio de ilustrações em sequência (a linguagem visual dos quadrinhos). O que ajuda a separar o joio do trigo é a intenção do autor. As graphic novels se popularizaram com títulos que buscavam temas pouco (ou nunca) explorados na mídia quadrinhos e novas maneiras de contar as histórias, com narrativas gráficas mais rebuscadas. São obras geralmente indicadas para leitores maduros. Surge daí o selo de qualidade geralmente associado às graphic novels — espertamente usado por editoras para atrair leitores e, em muitos casos, vender gato por lebre.

Nesse contexto, Asterios Polyp chega em um momento interessante às livrarias brasileiras. A HQ de David Mazzucchelli foi lançada em 2009 e laureada no ano seguinte como melhor graphic novel nos prêmios Eisner e Harvey (os dois mais conceituados dos quadrinhos nos Estados Unidos).

O destaque que Asterios ganhou na imprensa internacional trouxe para a obra leitores que não necessariamente lêem quadrinhos. Isso foi muito importante pois gerou um feedback bastante diversificado para a HQ e uma série de avaliações e comentários tanto sobre suas qualidades literárias quanto como quadrinísticas.

Uma folheada em Asterios Polyp é o bastante para encher os olhos. O visual do álbum é impressionante. E não teria como ser diferente, já que o autor é David Mazzucchelli, veterano dos quadrinhos que há muito tempo abandonou as séries regulares de super-heróis (ele desenhou sagas antológicas dos personagens Batman e Demolidor) para se dedicar a projetos pessoais, constantemente se reinventando como artista — como é o caso em Asterios, em que Mazzucchelli apresenta um traço tão diferente dos que mostrou anteriormente que seria quase impossível saber que é ele o ilustrador da HQ sem ver seu nome na capa.

Nada na arte de Asterios é à toa. A paleta de cores, os formatos dos balões de fala dos personagens, o design do personagens, a diagramação das páginas, a construção das cenas… enfim, tudo serve a uma função na condução da história (e para causar algum efeito no leitor) e é usado de maneira criativa e inovadora. Uma autêntica exploração das possibilidades da linguagem das histórias em quadrinhos. Como narrador visual, Mazzucchelli é um mestre. Algumas pontas soltas deixadas pelo caminho da trama, no entanto, revelam um roteirista em desenvolvimento — detalhe compensado pelas incríveis ilustrações.  

Arquiteto de papel

No seu 50º aniversário, Asterios Polyp tem um momento de revelação. Filho de pais gregos (o sobrenome da família foi encurtado por um agente da imigração americana), ele viveu seus 50 anos assombrado pelo fantasma do irmão gêmeo (Ignazio), morto no parto. Arquiteto de papel (que conquistou renome graças a seus projetos, não das edificações construídas a partir deles), Asterios passou a vida como um catedrático arrogante e narcisista, preso a neuroses e visões de mundo muito rígidas, que o impossibilitaram de enxergar a beleza além de seus preconceitos — atrapalhando sua relação com as pessoas, inclusive com a mulher, Hana. Ao perder tudo em um incêndio, o protagonista sai em busca de uma revisão de sua vida.

Mazzucchelli preenche a narrativa de citações filosóficas e ensinamentos herdados dos gregos antigos. Eles surgem tanto na fala dos personagens quanto nas imagens. A aproximação com a filosofia incomodou muitos leitores, que observaram a superficialidade com que o autor as utiliza. O problema, neste caso, seria mais com o próprio protagonista do que com Mazzucchelli. Até porque Asterios Polyp não tem pretensões filosóficas. Acontece que o herói da HQ é, em muitos momentos, tão irritantemente cheio de si, prepotente, que fica difícil não nutrir alguma antipatia por ele.


Isso, na verdade, é um trunfo da HQ. Asterios é um personagem vívido, crível. Assim como são todos do elenco. Os simbolismos que pipocam pela trama ajudam a tocar a história. Mas é a trajetória do personagem e seus dramas que a conduz. Na dúvida do que é uma graphic novel exemplar? Em forma e conteúdo, Asterios Polyp é uma ótima opção.

David Mazzucchelli

O desenhista americano começou a ser conhecido pelos leitores de quadrinhos a partir de seus trabalhos com os personagens Batman e Demolidor. Do primeiro, ilustrou a mini-série Batman — Ano um, com roteiro de Frank Miller, uma das mais consagradas do Cavaleiro das Trevas. Do Demolidor, desenhou a saga A queda de Murdock, outra parceria com Miller e momento clássico do herói cego. Com o roteirista Paul Karasik, Mazzucchelli adaptou Cidade de vidro, do escritor Paul Auster.





Publicado originalmente no Correio Braziliense