Sem Palavras
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por
Pedro Brandt
Conheci
o trabalho do Gustavo Duarte, muito
provavelmente, antes de colocar as mãos em qualquer HQ desenhada por ele. Acho
que devo ter visto alguma de suas ilustrações por aí. A certeza é que o desenho
dele me marcou, ficou registrado nos recônditos da mente – impressão que só foi
reforçada quando li sua participação no primeiro MSP 50, em 2009. E, a partir desse momento, Gustavo entrou na minha
lista de autores brasileiros a acompanhar. Pra minha sorte, desde aquele ano, ele
tem lançado quadrinhos com certa regularidade. Taxi e Có! eu comprei
dele, pessoalmente, na RioComicon (2010). Ambas guardam belíssimos autógrafos –
e a lembrança de um breve bate-papo com Gustavo, cara gente boa. Birds comprei depois, numa loja de
quadrinhos.
Essas
três obras deixam bem claro que além de um desenho marcante, facilmente
reconhecível como sendo do autor, Gustavo Duarte encontrou um caminho próprio
dentro nas histórias em quadrinhos. Não que ele tenha reinventado a roda, ou faço
algo inédito e exclusivo, mas achou uma maneira de contar histórias com
características e recursos que reforçam a identidade conceitual e visual do artista.
A
primeira coisa que você precisa saber sobre o trabalho de Gustavo Duarte é que
ele não usa texto em seus quadrinhos. Quer dizer, claro que existe ali um
texto, um roteiro. Mas você não vai ver nenhuma palavra saindo da boca de um
personagem ou uma onomatopeia sugerindo um ruído. As histórias são mudas não
por que os personagens não têm o que dizer. Pelo contrário. Eles conversam,
gritam, ouvem música... o som está ao redor. E Gustavo comunica tudo isso com
imagens.
A
cultura pop permeia as criações do desenhista paulistano (da safra de 1977).
Monstros, ETs, seres antropomórficos, rock, jazz, surrealismo, sonho e
realidade, a vida e a morte... tudo se encontra e se confunde nas páginas das
histórias de Gustavo Duarte.
Taxi, Có! e Birds, além de desenhos incríveis, têm também um acabamento
editorial bastante caprichado, desde a gramatura do papel até a impressão,
passando pela diagramação, paleta de cores e design. Impressionante para uma
produção independente. Para mim, ficou óbvio que com um currículo desses, logo
ele subiria para as “majorleagues” – ou seja, seria convidado para lançar um
quadrinho por uma grande editora. O
lançamento de Monstros, ano passado, confirmou
esse palpite. O título saiu com a chancela de uma das mais prestigiadas
editoras de livros brasileira, a Cia. das Letras, pelo selo Quadrinhos na Cia.
(que tem um catálogo excelente – apesar de já ter lançado umas bobagens que eu não
acreditei).
Monstros pode ser
considerado o melhor trabalho em quadrinhos de Gustavo Duarte até agora. Ao
mesmo tempo, não consigo classificá-lo como tal. Não por falta de qualidade,
mas porque acredito que Taxi, Có!, Birds
e Monstros estão no mesmo nível (se
fossem desenhos animados, não duvidaria de seu sucesso). Em todas elas, o
desenhista mostra uma grande aptidão com aquilo que geralmente falta em muitos
aspirantes e mesmo em alguns profissionais dos quadrinhos no Brasil: a
habilidade narrativa, o talento para contar uma história com imagens, pegar o
leitor pelo olhar, prendê-lo da primeira à última página. E fazer isso de
maneira lúdica, leve (que poderia agradar leitores dos oito aos oitenta),
bem-humorada e divertida.
Não
é questão de saber desenhar bem. É como usar os recursos gráficos para
“enganar” olhos e mentes e fazer com que no passar de um quadro pro outro, de
uma página para a outra, o leitor tenha a sensação de continuidade, de movimento
de espaço e tempo. Parece fácil, mas dominar a narrativa é um dos grandes
desafios de quem faz história em quadrinhos – e fazer isso com uma identidade
própria é para poucos mesmo.
Acho
que não vale a pena comentar muito da sinopse de Monstros. Por ser uma HQ sem falas, as 80 páginas são consumidas
pelos olhos rápida e vorazmente. Qualquer spoiler pode comprometer a satisfação
da leitura. Então digo apenas que se você já viu algum seriado do estilo super
sentai, esses de japoneses com roupas colantes coloridas, como Ultraman, Spectreman, Change-Man ou Power Ragers, você
pode se identificar com a HQ. Mas antes que alguém pergunte: não é um quadrinho
de super-herói!
Ano
passado, na época em que Monstros chegou
às livrarias, mandei por e-mail algumas perguntas pro Gustavo. Em viagem de
trabalho, ele comentou que estava com pouco acesso à internet, mesmo assim,
dias depois, chegaram as respostas – que, por motivos diversos, ficaram
empoeirando no meu e-mail até a publicação deste texto. Em determinado momento,
Gustavo comenta que pretende continuar fazendo HQs sem fala. Acho que esse
formato bem-sucedido pode e merece ser explorado mais algumas vezes. No
entanto, vislumbro Gustavo num projeto mais ousado (ousadia parece ser uma
palavra desconhecida nos quadrinhos brasileiros recentes). E depois da leitura
do Pinóquio de Winshluss,
meu padrão de qualidade para quadrinhos desse tipo subiu a níveis
estratosféricos.
E
com quatro quadrinhos “mudos” embaixo do braço, acho que seria o momento do
autor fazer seus personagens conversarem também com o auxílio dos balões de
fala. A repetição, sabemos, causa desinteresse. Seja o que for, desde já,
aguardo ansioso.
Entrevista
Gustavo Duarte:
Como você
desenvolveu a sua técnica narrativa? Sua arte tem muito de imagem em movimento,
ou seja, cinema e desenhos animados. Já estudou/trabalhou na área? O que diria
que aprendeu com essas linguagens?
Acho
que venho desenvolvendo ainda. Quando moleque, li quadrinhos ao mesmo tempo que
assistia filmes e desenhos. Isso influenciou e influencia até hoje o meu
trabalho e, consequentemente, a narrativa. Nunca trabalhei com animação nem com
cinema, mas acredito que são linguagens muito próximas aos quadrinhos, afinal,
o objetivo é o mesmo: contar uma história se utilizando de imagens.
Os quadrinhos
sem fala já viraram uma marca do seu trabalho. Pensa em seguir outros caminhos
dentro da sua produção autoral? Você já fez quadrinhos com fala? O que achou do
resultado?
Tenho
gostado de trabalhar com histórias sem fala, mas também penso em fazer uma ou
outra com fala. Já fiz algumas histórias com texto, mas nada muito grande.
Gostei do resultado, mas não dá muito para comparar com as atuais já que foram
histórias de poucas páginas.
Num trabalho em
parceria, quem gostaria que escrevesse os textos?
Agora
em novembro (de 2012) começo o meu próximo livro, que será uma das graphic novels
do Mauricio de Sousa. Farei uma história do Chico Bento e do Zé Lelé. E, como
falamos acima, dessa vez usarei um pouco de fala. Afinal, não posso deixar de
usar as palavras erradas que Chico e Zé falam.Sairá no ano que vem.
Seu traço tem
muita personalidade. Quem considera suas influências? Você é autodidata?
Sou
formado em Design Gráfico e desenho desde sempre. As influências são muitas.
Poderíamos ficar horas falando sobre elas. Mas para citar algumas: Laerte,
Ziraldo, Aragonés,
Al Hirschfeld, Charles Schulz,
Bill Watterson, Henfil, Will Eisner, Jim Henson...
Algumas
inspirações de Monstros são mais explícitas, outras, imagino, nem tanto. Quais
você diria que foram as principais referências para o livro?
Além
das séries de monstros japoneses, que são as referências iniciais para a
história, acho que Indiana Jones e outros filmes de aventura me influenciaram
enquanto escrevia o roteiro.
É possível
encontrar algumas conexões entre Monstros e as suas HQs anteriores:
catástrofes, criaturas antropomórficas, bares, a vizinhança como cenário,
crianças, música, automóveis antigos, o clima de sonho... diria que tudo isso
aparece propositadamente, como que para fazer deste o seu universo?
Não
sei se é proposital. Faço as minhas histórias com o que gostaria de ver nas que
leio. Acho que é isso.
Você tem vontade
de produzir uma série regular, com personagens fixos? E uma série regular, mas
com conteúdos mais livre, teria vontade?
Sim,
seriam experiências bacanas.
Como rolou o
convite para lançar a obra pela Quadrinhos na Cia? Monstros foi feita sob encomenda para a editora? Como é o
relacionamento entre as partes? O que você diria que muda (distribuição, maior
tiragem, etc.) com a parceria? Já tem algum outro álbum engatilhado com a
editora?
O
primeiro contato veio na época da Có!,por
meio do André Conti (editor). Viemos falando desde então. Ano passado (2011),
apresentei a idéia de uma história de monstros japoneses invadindo Santos. O
André gostou da ideia, então esse ano escrevi e desenhei o roteiro. O
relacionamento tem sido ótimo desde então. Muda muita coisa. Principalmente a
distribuição e a estrutura da Cia. Consegui produzir um álbum com toda a
qualidade gráfica graças a isso.
E,
pela primeira vez, conseguirei ter o meu livro no maior número de cidades
possível.Quanto a um próximo álbum, já tenho algumas ideias para 2013.
Conversarei sobre elas com o André nos próximos meses.
Você faz parte
de uma geração de autores brasileiros (Bá, Moon, Grampá, etc.) que vem ganhando
cada vez mais destaque. Como você enxerga a situação dos quadrinhos no Brasil
para autores brasileiros?
O
mercado está começando a existir no país. Isso é muito bom para nós que fazemos
quadrinhos, mas ainda é muito pequeno, tanto é que os três autores que você
citou vivem do mercado norte-americano. Porém, acredito que aos poucos os
quadrinhos estão ganhando espaço e espero que ganhem cada vez mais.