A narrativa no interior da revista trata inicialmente do encontro de Conan com Bêlit no litoral do reino fictício de Argos e de como o bárbaro passou a se aventurar em seu navio por quatro anos. Chama nossa atenção a imagem de Conan, representado como um homem mais velho, segurando nos braços uma indefesa Bêlit diante de uma criatura humanoide munida de garras e asas. Novamente o tema tradicional do protagonista protegendo uma linda mulher em perigo com vestes sensuais está presente e novamente a capa não se relaciona diretamente com a narrativa em questão. Isso se deve pelo fato desse tipo de capas serem tradicionais na literatura pulp, meio que um padrão artístico e estético, além de serem encomendadas sem que o ilustrador tivesse conhecimento do teor do conto em seus detalhes.
No supracitado conto, Conan é obrigado a fugir de autoridades argorianas, aportando em um navio ancorado de um comerciante qualquer, logo tomando parte entre seus tripulantes. Não muito tempo depois, o navio é atacado pelos piratas de Bêlit e Conan, após mostrar habilidades em espada e força quase sobrenatural no enfrentamento dos mesmos, torna-se mesmo um tripulante do navio comandado pela mulher, tema, aliás, bastante usual em narrativas posteriores do personagem em diversas mídias.
Apesar do relacionamento de Conan e Bêlit possuir uma natureza amorosa e afetuosa ao longo da maior parte do conto, existe certo teor de sadismo da parte dele em relação a ela, ainda que Bêlit seja tomada por Howard como uma mulher forte, selvagem, imponente e altiva. Podemos encontrar um exemplo de como Bêlit é descrita no conto através das palavras do timoneiro do navio mercante que Conan encontrou ao início da aventura. Vejamos: "A mulher (Bêlit) é a mais selvagem e demoníaca que já pisou nesse mundo. A menos que eu tenha lido errado os sinais, foram os carniceiros dela que destruíram aquela vila na baía. Espero vê-la um dia enforcada num mastro bem alto! Chamam-na de Rainha da Costa Negra. É uma mulher shemita que lidera bandoleiros negros. Eles atacam e saqueiam os barcos que navegam por aqui, e já mandaram muitos navegantes e comerciantes para o fundo do mar".
A descrição de Bêlit é, portanto, de uma mulher forte e selvagem, uma saqueadora que vivia pelas armas, tal como o próprio Conan. Chama nossa atenção, porém, o fato de a capa da edição da Weird Tales desvelar a imagem de uma mulher extremamente frágil nos braços do bárbaro, talvez devido à presença do sobrenatural frente aos dois personagens, igualmente tratado no conto, ou talvez, tal como mencionado mais acima, como uma mera ilustração usual e tradicional de Brundage e da Weird Tales.
Mesmo que as características das capas da revista ajudem a explicar a ilustração da frágil Bêlit nos braços de Conan, não é descabido pensar aqui nas considerações de Judith Butler e sua ênfase no discurso de construção de gênero ser concebido a partir de matizes sociais e culturais definidos por pares binários entre homem/forte/racional e mulher/frágil/sentimental. Em outras palavras, na caracterização do ser masculino, pensando-se exclusivamente na imagem, Conan está em posição de protetor da mulher, conferindo a ideia de que o ser feminino deve ser protegido, caracterizando aqui não somente um padrão visual de capa, mas igualmente um discurso cultural sobre gênero.
Uma imagem que, em nossa opinião, agencia tal discurso de gênero. Conan igualmente aparece na imagem em uma posição defensiva, com uma espécie de adaga na mão direita, colocado como protetor de Bêlit, ainda que sua imagem seja muito distante da imagem selvagem de belicosidade das representações posteriores, seja nos quadrinhos e no cinema.
No máximo, o estado de barbárie de Conan, tão exaltado nos contos literários howardianos, transpareça pelos trajes que ele se utiliza na imagem, um estereótipo clássico que aproxima o personagem de Tarzan, de Edgar Rice Borroughs, uma das muitas influências literárias do escritor texano. Na capa da Weird Tales, Conan parece ser mais a imagem do “bom selvagem” do iluminista Jean Jacques Rousseau do que do bárbaro musculoso e violento das ilustrações mais famosas dos quadrinhos ou de outras mídias visuais mais recentes.
Pela descrição do próprio criador, Conan muito difere do homem representado nesta capa da Weird Tales, sendo normalmente descrito como, “um bárbaro selvagem musculoso, com a pele bronzeada, os olhos azuis e todo o corpo e rosto marcado por cicatrizes”. Além disso, Howard fez questão de enfatizar que o estágio de barbárie em seus contos muito diferia do teor dado por Rousseau em sua concepção filosófica de “bom selvagem”, como pode ser expresso pela passagem de uma carta do autor texano logo abaixo:
"Não tenho a visão idílica do bárbaro – até onde pude aprender, trata-se de uma condição sombria, sangrenta, feroz e impiedosa. Não tenho paciência para a representação de um bárbaro de qualquer raça como uma criança cheia de dignidade, feita á imagem de Deus na natureza, dotada de uma estranha sabedoria e falando frases sonoras e bem enunciadas".
Não é descabido pensar na ideia tradicional de uma humanidade desvelada na imagem da Weird Tales, visto que em Conan transparece um ar de impotência e mortalidade ante uma força monstruosa do mundo sobrenatural. Existe na imagem um padrão de suspense que é típico das capas pulps, um padrão que coloca Conan e sua aparentemente frágil companheira como meras caças de alguma criatura dos reinos inferiores, impactando o leitor pela constante presença do tema de sobrenatural nestes tipos de contos.
Apesar da barbárie em Howard muito diferir da visão de Rousseau, Conan é tomado na imagem da revista como um “bom selvagem” masculino e protetor de uma inocente e até convencional e frágil mulher, Bêlit (enquanto um arquétipo do gênero feminino), sem o teor belicista que o caracteriza nas representações posteriores, evidenciando uma imagem bastante distinta da descrição de sua figura por Howard, porém não menos interessante dos pontos de vista histórico e cultural.
O Conan das capas dos anos 1940-1960, incluindo as ilustrações de Frank Frazetta