Nas franjas do inconsciente


por Pedro Brandt

Um dos maiores nomes das histórias em quadrinhos, o francês Jean Giraud, pseudônimo Moebius, andava sumido das livrarias brasileiras. Aliás, a publicação de seus trabalhos em versão nacional sempre foi espaçada. Depois de histórias esporádicas em revistas e alguns poucos álbuns lançados na virada dos anos 1980 para os 1990, HQs de sua autoria só voltaram a ser publicadas no Brasil em 2006 — três volumes de Incal, parceria com Alejandro Jodorowsky, e três de Blueberry, o caubói criado por Giraud e o roteirista Jean-Michel Charlier.

A recente publicação no Brasil de Coleção Moebius: Arzach serve tanto para apresentar o trabalho do autor para novos leitores, como para proporcionar aos antigos fãs, finalmente, uma edição nacional da obra, uma das mais conhecidas e representativas de Moebius. O álbum funciona também como carta de intenções de uma nova editora brasileira de quadrinhos, a Nemo (integrante do Grupo Editorial Autêntica). Leia entrevista com o editor Wellington Srbek abaixo.

O personagem Arzach surgiu um 1975 e causou muito barulho à época, como lembra Moebius no texto de apresentação: “O fato de não haver texto em suas páginas de início surpreendeu muito. Além disso, a história não correspondia a nenhum dos esquemas narrativos clássicos, ao menos no âmbito dos quadrinhos, já que na literatura contemporânea esse tipo de caminho não tem nada de excepcional. Enfim, graficamente eu não medi esforços e dediquei a cada imagem um volume de trabalho e uma energia comparáveis àquelas que, geralmente, são reservados a uma pintura ou uma ilustração”.

Sonhos e sensações


Mais do que belíssimas páginas, Arzach é peça fundamental para compreender os rumos criativos de Moebius. “Para mim, Arzach foi um tipo de surto, um mergulho em mundos estranhos, além do visível. Entretanto, não se tratava de produzir mais uma história bizarra, mas de revelar alguma coisa de muito pessoal, da ordem da sensação. Eu tinha como projeto expressar o nível mais profundo de consciência, nas franjas do inconsciente. Esta história pulula, então, de elementos oníricos. Quando se engaja nesse tipo de trabalho, as portas do espírito se abrem repentinamente, deixando aparecer as formas, as imagens, os arquétipos que trazemos conosco”, comenta o francês.

E para melhor apreciar Arzach é preciso ter em mente os critérios que influenciaram a criação das HQs. Como o sonho é uma inspiração, nem todas as histórias tem fim esclarecedor ou um sentido claro. Em todos os casos, a viagem é recompensada pelo inconfundível traço de Moebius, autor de cenários, figurinos e personagens de um mundo todo próprio.

Arzach é um misterioso guerreiro que vive num mundo alienígena. Em suas aventuras, ele é acompanhado por um animal alado de pele espessa, meio pássaro, meio pterodáctilo, parte mecânico, parte orgânico. Mas quem é Arzach? Qual sua missão? Apenas na última história, a única do personagem com texto, os leitores terão algumas pistas.




Além das oito histórias com o personagem (todas elas curtas, de rápida leitura), o álbum apresenta a HQ Desvios, na qual o próprio Jean Giraud e sua família são os personagens. Exercício de metalinguagem em quadrinhos, o trabalho é apresentado por Moebius como uma parábola límpida: “Se você segue os caminhos balizados da sociedade, tudo vai bem. Mas, se você se afasta para pegar um caminho diferente, aí, estranhas aventuras te esperam e ninguém sabe onde elas poderão te levar”. Em resumo, o quadrinhista está falando da grande aventura criativa que começava a nortear sua produção — e, partindo dessa premissa, sobre os caminhos para os quais podemos ir quando soltamos as amarras para a imaginação correr livre.

Coleção Moebius: ArzachDe Moebius. 56 páginas. Editora Nemo. R$ 42.


DUAS PERGUNTAS // WELLINGTON SRBEK


Quais os próximos lançamentos da Nemo?

Além de Arzach, de Moebius, já tivemos os dois primeiros volumes da série Mitos recriados em quadrinhos: Ciranda Coraci e O senhor das histórias, produzidos por mim e por Will. Para este ano, ainda teremos o segundo volume da Coleção Moebius, Corto Maltese: A juventude, de Hugo Pratt, Era a guerra de trincheiras, de Jacques Tardi, e A trilogia Nikopol, de Enki Bilal. Nacionais, temos programado as adaptações de Dom Casmurro, Romeu e Julieta, Sonho de uma noite de verão e Otelo

Você também é roteirista de quadrinhos. Como avalia o espaço e o valor dado à “categoria” no Brasil? 
O espaço para os roteiristas é ainda restrito. Muitas vezes, não há o reconhecimento das competências específicas exigidas para a criação de um roteiro e qualquer um se acha capaz de roteirizar uma HQ. O resultado disso é que muitas HQs têm um visual interessante, mas são mal escritas ou mal narradas. Felizmente, temos hoje no Brasil autores competentes que se dedicam exclusivamente ao roteiro e têm mostrado que essa “categoria” tem seu próprio valor.

Texto publicado originalmente no Correio Braziliense


Aqui, Moebius e Jodorowsky falam sobre o lendário projeto abortado de adaptação para o cinema do clássico Duna, de Frank Herbert: